Conjuntura da Semana. Uma leitura das 'Notícias do Dia' do IHU de 21 a 28 de agosto de 2007
A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas, diariamente, no sítio do IHU e na revista semanal IHU On-Line. A presente análise toma como referência as "Notícias" publicadas de 21 a 28 de agosto de 2007. A análise é elaborada, em fina sintonia com o IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT - com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Eis a análise:
Políticas assistenciais do governo federal
Recente levantamento do perfil da população atendida pelo programa Bolsa-Família revela que um de cada quatro brasileiros é atendido pelo maior programa do governo federal, atualmente em prática. São 11,1 milhões de famílias, totalizando 45,8 milhões de pessoas. Se se considerar que as famílias com direito ao benefício não podem ter renda superior a R$ 120,00 por mês bem como suas carências em termos de infra-estrutura (63,6% das famílias assistidas não têm esgoto tratado, por exemplo), tem-se o que Sônia Draibe, especialista em políticas sociais, chama de “tamanho do Brasil pobre”. Isso sem contar a precariedade da questão do trabalho (a metade dos responsáveis pelos grupos familiares vive de trabalhos temporários e apenas 2,8% têm carteira assinada) e da baixa escolaridade (60% dos chefes de família são analfabetos ou só tem a 4ª do ensino fundamental completa).
As mulheres, num total de 24,3 milhões, são a maioria dos assistidos pelo programa. Elas também chefiam a maioria das famílias, o que as torna, em 90% dos casos, recebedoras legais do benefício. Essa política de conceder o benefício prioritariamente às mulheres inspira-se na prática do Banco Grameen, considerado o Banco dos Pobres, cujo fundador é Muhammad Yunus, e que já se espalhou mundo afora.
Hoje, o Bolsa-Família tem um orçamento de R$ 8,7 bilhões por ano para atender a 11,1 milhões de famílias. Mas o investimento deve aumentar em R$ 400 milhões este ano e subir para cerca de R$ 10 bilhões em 2008, depois que for aprovado o reajuste de 18,75% nos benefícios. A média atual por família, de R$ 62 por mês, passará a R$ 72 com o reajuste.
A quantia, à primeira vista parece alta, mas comparada ao que o próprio governo federal destinou aos mais ricos, ela se torna irrisória. “O programa ‘bolsa família’, no ano de 2006 deu 15 bilhões de reais para 11 milhões de pessoas e o ‘bolsa especulador’ deu para 20 mil famílias ou credores da dívida pública, 150 bilhões de reais”, revela indignado Frei Betto, que trabalhou no Programa Fome Zero no primeiro mandato de Lula. Ou seja, aos pobres foram destinadas migalhas.
O Bolsa Família como política de renda cidadã
O Bolsa Família é uma política de renda cidadã. Ela também é chamada de “renda mínima”, mínimo vital universal e suficiente, renda universal, renda de existência. Ultimamente vem sendo denominada também de “biorenda”, conceito que explicita de mais maneira mais intensa as grandes transformações do capitalismo e ao mesmo tempo faz referência ao termo “biopolítica” ou “biopoder”, usado por diversos estudiosos. Vale lembrar que o termo “biopolítica” foi cunhado pelo filósofo Foucault.
E é justamente a Foucault que o sociólogo francês Maurizio Lazzarato recorre para criticar os críticos do Bolsa Família para dizer que “segundo Foucault, as políticas sociais nunca foram assistencialistas, mas sim produtivas. Para ele, o capitalismo não seria possível sem essas políticas sociais, sem a garantia do Estado para saúde, habitação, educação. Sem esses investimentos o capitalismo não seria possível”.
“Os críticos do Bolsa Família deveriam ler Foucault... Não penso que o termo assistencialista seja adequado para apreender esse tipo de gasto. O mais correto seria falar de investimento social, pois a divisão entre a assistência e o trabalho produtivo ou improdutivo é construída em torno de uma lógica industrial agora obsoleta. Na Europa, por exemplo, é evidente que a produção é uma produção social, em que as despesas do Estado-Providência se tornam investimentos produtivos. Educação, saúde, habitação, são investimentos e não gastos”, defende Lazzarato.
Antonio Negri e Giuseppe Cocco, referindo-se a Lula, vão dizer que “sua política social (Bolsa Família, valorização do salário mínimo, microcrédito, reforma universitária, política de cotas) é pós-industrial. Capaz de indicar horizontes fortes de luta - ao mesmo tempo - contra a herança neo-escravagista da fome e da miséria e contra as conseqüências da modernização industrial”.
Para Giuseppe Cocco, a renda cidadão deve ser pensada “em função das transformações do trabalho. O trabalho está se separando da clássica relação de emprego (seja porque é precarizado, seja porque acontece mais em momentos normalmente ligados às atividades de reprodução-circulação). Trabalho e vida tendem a coincidir, pois, a qualidade do trabalho depende da qualidade de vida: para ser produtivo preciso ter um certo nível educacional, uma habitação com todos os serviços (em particular as tecnologias de conexão aos fluxos de informação e comunicação)”. Por isso, se pode também chamá-la de “biorenda”.
Esta forma de redistribuição da riqueza socialmente produzida, se justifica por conta das seguintes realidades: primeiro, há hoje um aumento brutal de produtividade, que fica cada vez mais concentrada; segundo, esta renda é produzida com o trabalho de cada vez menos trabalhadores, mas que está sendo acumulada, pode ser redistribuída, recorrendo-se à renda cidadã; terceiro, a renda cidadã desvincula trabalho e renda; quarto, ela se assenta sobre “a necessidade de reconhecer as dimensões produtivas da vida enquanto tal”, isto é, “a produção da vida é o paradigma da produção em geral”, garante Giuseppe Cocco; quinto, a renda cidadã deve ser vista no contexto da “emancipação da esfera da produção de valor e de lucro. Nesta visão, para retomar uma expressão de André Gorz, ‘somente a incondicionalidade da remuneração poderá preservar a incondicionalidade das atividades que não têm todo o seu sentido, a não ser que elas sejam cumpridas pro elas mesmas’, favorecendo, desta maneira, a transição para um modo de desenvolvimento não produtivista e socialmente sustentável, fundado sobre a primazia de formas de cooperação não mercadológicas”, sustenta Carlo Vercellone, economista italiano, residente na França. Enfim, no contexto do novo capitalismo e das novas perspectivas de emancipação, já não se trata mais de remunerar o trabalho individual em si, mas o trabalho geral.
“É impossível, é irreversível retornar às categorias da modernidade, pois elas se perderam”, diz Negri. Trata-se, portanto, de buscar novas formas de distribuição da riqueza socialmente produzida, bem como novas emancipações. Estamos convencidos de que o Bolsa Família, do governo federal brasileiro, pode ser pensado nesta perspectiva. Neste sentido, ressalta também o limite do movimento dos desempregados no Rio Grande do Sul, que exigem novas frentes de trabalho do governo estadual.
O Bolsa Família é uma política limitada e tímida
No entanto, é preciso apontar também para seus limites e que não são poucos. Se o Bolsa Família tem, por um lado, o trunfo de ser uma política que aponta para novas possibilidades, entre elas, a emancipação das pessoas beneficiadas, por outro lado, ele corre o sério risco de não conseguir proporcionar um salto de qualidade no médio e longo prazos a um quarto da população brasileira.
Acreditamos que o Bolsa Família está bem intencionado, mas é uma política isolada e tímida em suas potencialidades. Ele teria um potencial para provocar e gerar diversas novas ações. Mas, pode correr o risco de cair no vazio. A Sônia Draibe se refere a ele como insuficiente para oferecer um futuro melhor para esta geração que desejamos tirar da pobreza. “Este programa não é suficiente”, diz, alegando a necessidade de agregar outros elementos, como a educação e a saúde. Também Frei Betto acredita que do jeito que está “no momento em que o governo deixar de dar o dinheiro às famílias, eles não vão produzir o sustento da própria vida”.
O programa Bolsa Família deveria vir acompanhado de uma real política de redução da jornada de trabalho, de apoio efetivo à economia solidária e de uma valorização e envolvimento dos movimentos sociais, entre outras. Ou seja, este governo teria tudo para entrar na história como um governo que apostou efetivamente em políticas sociais inovadoras e emancipatórias.
Mas, tudo isso parece difícil de encontrar eco mesmo num governo considerado pós-Consenso de Washington, isto é, que mantém uma política econômica ortodoxa, mas que é capaz de agregar políticas sociais, como a do Bolsa Família, mas de maneira isolada.
TV Digital. 'O sonho virou realidade'. Será?
Na semana passada, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, visitando a Feira de Tecnologia e Televisão, afirmou que a TV Digital é um “sonho que virou realidade”. O ministro se refere à proximidade do lançamento da TV de alta definição - som e imagem de qualidade – previsto para dezembro. A TV Digital significa uma revolução na televisão brasileira e permitirá que as pessoas assistam televisão em qualquer lugar em que estejam, no ônibus, no metrô, no trem, no celular e, mais do que isso, permitirá em tese uma maior interatividade entre o telespectador e a emissora.
A escolha do padrão tecnológico para viabilizar a TV digital no país foi objeto de intensa disputa que durou mais de dez anos. O mercado envolve bilhões de dólares. O padrão japonês (ISDB) foi o vencedor na disputa com os sistemas concorrentes, o europeu (DVB) e o norte-americano (ATSC) na preferência do governo. Decisão questionada por muitos. Na opinião do físico Rogério César de Cerqueira Leite “a diferença essencial entre a tecnologia japonesa e as duas outras, européia e americana - é que a primeira faz com que todo usuário eventual se submeta às empresas de televisão, enquanto com a adoção de uma das outras tecnologias a telefonia móvel e outras formas de comunicação interativa se tornam autônomas, ou seja, não precisam ser intermediadas pelas empresas de televisão”.
Segundo ele, quem decidiu foram as grandes redes de TV do país. “As empresas de TV escolheram e moveram mundos e fundos para que fosse escolhida a tecnologia japonesa. Pode-se imaginar que imenso poder político e financeiro conseguiram. Qualquer outra consideração sobre características tecnológicas ou patrimonial é perfumaria”. Cerqueira Leite, na oportunidade afirmou, “só há uma explicação, vamos ver se você, caro leitor inteligente, é capaz de adivinhar. Plim-Plim!”, disse ele.
À opinião do físico somou-se a de muitos que enxergaram por detrás da decisão um favorecimento dos interesses da Rede Globo. As negociações foram conduzidas pelo ministro Hélio Costa tido parcial no processo em função de ter sido funcionário da Rede Globo. A briga pelo padrão tecnológico não é pouca coisa. Envolve a disputa por um mercado que movimentará US$ 88 bilhões.
As promessas do governo com a TV Digital são duas. Primeiro, promete democratizar o padrão de qualidade aos mais pobres e, segundo, a de que o espectador deixará de ser um mero receptor e terá mais influência junto às emissoras ao interagir com os conteúdos. Em entrevista especial para o sítio do IHU, Valério Brittos, - autor do livro A televisão brasileira na era digital: exclusão, esfera pública e movimentos estruturantes (Ed. Paulus) - afirma que não é bem assim e que TV Digital, “por ela própria, não democratiza nem transforma nada”.
Segundo ele, “inicialmente, a TV digital estará disponível para uma pequena parcela da população”. O professor destaca que a compra do conversor - que permitirá o acesso ao padrão digital - será muito caro e a população não terá acesso. O governo diz que irá subsidiar a compra dos conversores – chamados no mercado de set top box.
O problema, diz Valério Brittos, é que “o conversor até irá se universalizar, mas a experiência mostra que, quando a tecnologia se universaliza, ela já deixa de ser tão importante. Ou seja, já passa a existir outra mais importante, que a elite passa, então, a consumir”. Além disso, diz ele, “existirão níveis de consumo: alguns podem pagar por serviços interativos, outros não; alguns poderão ter um codificador melhor que permita melhor interação, mas a maioria não poderá”.
O professor comenta ainda que “para atender aos seus próprios interesses, num primeiro momento, o que os operadores querem é chegar à alta definição”. A argumentação do professor confirma-se com o anúncio da Rede Globo que irá produzir a próxima novela das 9, Duas Caras, totalmente em alta resolução.
Para Valério Brittos, “essa é a TV digital que nós teremos com alguma coisa de interação, num segundo momento”. Segundo ele, a TV Digital acabará estruturando o mercado como um todo. Diz o professor: “Ela nem está sendo usada e já exerceu uma série de influências em outras mídias. E, quanto mais estiver avançada a TV digital, mais ela irá repercutir sobre as demais mídias, sobre a internet, o próprio jornal. Tudo isso em movimentos de conexão, movimentos de convergência, mas que desestruturam”. “Toda mídia provoca movimentos estruturantes, e a televisão mais do que qualquer outra. Isso porque ela é a principal mídia do Brasil e do mundo, tendo se tornado o meio de comunicação que as pessoas mais consomem”, afirma Valério Brittos.
E conclui, “eu acho que a sociedade precisa saber que, se ela não se mobilizar, a TV digital reproduzirá as condições desiguais de acesso que nós temos não só na tecnologia, mas também na educação, na saúde, no transporte, ou seja, em muitas coisas”.
Marcelo Zuffo, um dos membros do grupo de estudos da implementação da TV Digital no país suscita outro debate que esquentará com o advento da TV Digital. O debate sobre as regras para as gravações do conteúdo em alta definição. Segundo Zuffo, “o usuário sempre teve direito de gravar para uso próprio. O problema é coibir a pirataria. Algumas pessoas, simplesmente, dizem que a questão é combater os que colocam isso na internet. Mas o conceito de pirataria é mais complexo. Muitos televisores têm gravadores internos. Isso sem dúvida tem que se permitir. O problema é que, ao mesmo tempo em que estamos inseridos nessa questão, é um assunto polêmico, com falta de esforço público em debater. Há questões de direitos do autor, do telespectador e da emissora”, diz ele.
A preocupação aqui é que com a resolução de alta definição, os programas em TV aberta poderão ser gravados e transformados em DVDs piratas trazendo problemas às emissoras e a lei de direitos autorais e de transmissão.
Quem é o dono do seu celular? Você ou a operadora?
Relacionado aos direitos do consumidor o sítio do IHU reproduz em suas ‘Notícias do Dia’ uma instigante reportagem intitulada ‘Quem é o dono do seu celular? Você ou a operadora?’ A reportagem inicia afirmando, “imagine como seria comprar um carro e, logo após dar a partida, ouvir do vendedor as seguintes exigências: 'O senhor está obrigado, por contrato, a só abastecer na nossa rede de postos de gasolina. Não tente nenhuma 'gracinha', senão o motor não vai pegar. Além disso, o senhor se compromete a comprar X litros de gasolina por mês - que, se não forem gastos, serão automaticamente descartados pelo tanque do carro'. Bizarro, não? Mas é mais ou menos assim que funciona o mundo dos celulares. Na maioria dos casos os aparelhos vêm bloqueados, ou seja, propositalmente 'travados' para só funcionar na rede de uma empresa - se você quiser trocar de operadora, azar o seu”.
A reportagem pergunta: “Quem é, afinal, o dono do seu celular? O fabricante? A operadora? Não. É você mesmo. Mas nem parece”. Porém, destaca que uma rebelião contra esse mundo de restrições está começando e graças aos hackers. Diz a reportagem: “Quando Steve Jobs lançou o iPhone, há dois meses, todo mundo babou com os recursos ultra-sofisticados do aparelho. Mas, logo depois, veio a decepção: superbloqueado, o iPhone só funciona na rede da operadora americana AT&T. Foi a deixa para a mobilização de um esquadrão de hackers, que começaram a procurar um jeito de romper o bloqueio e libertar o iPhone para uso em qualquer lugar do mundo. Na semana passada, eles conseguiram”.
Crise ecológica 1 – Uma grave denúncia
Uma grave denúncia publicada no jornal britânico Independent constrangeu o governo brasileiro. A jornalista Sophie Morris, a partir de um extenso relatório publicado pelo Greenpeace, acusa o governo brasileiro de vender grandes porções da floresta tropical amazônica a empresas madeireiras inescrupulosas, sob o disfarce de um plano ineficiente de desenvolvimento sustentável.
O relatório do Greenpeace - resultado de uma investigação de oito meses e intitulado Assentamentos de Papel, Madeira de Lei – afirma que o governo estaria levando famílias para áreas de florestas, em vez de assentá-las em áreas desmatadas. Essa operação seria feita sob orientação das madeireiras, interessadas em negociar a madeira dos assentamentos.
No artigo, Sophie Morris, a partir dos dados do Greenpeace, afirma que em 2006, “o Incra criou 97 ‘projetos de desenvolvimento sustentável’ (PDS) em Santarém, na região oeste do Pará, um dos Estados da Amazônia, em áreas de floresta primária muito procuradas pelas madeireiras. Os assentamentos ocupam uma área de 2,2 milhões de hectares, e 33,7 mil famílias foram designadas para ocupá-los”.
A jornalista britânica cita o procurador da Justiça Federal brasileira Felipe Fritz Braga, sediado em Santarém, que afirma que a forma original do PDS como assentamento para famílias que seguiam o modo de vida tradicional da região foi abandonado, e que as madeireiras bancaram as eleições do ano passado para salvaguardar o programa. "Dez anos atrás, foram criados diversos PDS que deveriam servir a preservar comunidades tradicionais. Com o passar do tempo, eles sofreram uma metamorfose jurídica e agora estão sendo usados na Amazônia a fim de assentar pessoas que não formam comunidades tradicionais", explica Braga. "A fonte de verbas de campanha para o governo, nas eleições, foram as madeireiras".
A reportagem lembra da religiosa Dorothy Stang, “uma veemente militante ecológica, assassinada em 2005 quando estava defendendo dois desses assentamentos, em Anapu, Pará, uma região notória por sua falta de supervisão governamental. Devido ao apoio da irmã Dorothy, o conceito dos PDS se tornou, indevidamente, sinônimo de boas práticas ambientais”.
Conclui a reportagem denúncia: “A Amazônia há muito está sob ameaça de grandes empresas; as madeireiras desbastam a floresta densa antes que os fazendeiros se instalem nas terras para criar gado, criar imensas plantações de sojas, e exaurir o solo. Passada quase uma década de sua concepção institucional, o sistema PDS se transformou em um catalisador que permite à indústria madeireira abocanhar parcela ainda maior dos recursos naturais da Amazônia”.
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel rebate as denúncias sobre assentamentos na Amazônia, chamando-as de “genéricas, preconceituosas e, principalmente, estranhas”.
Crise ecológica 2 – a derrota fragorosa do conceito da ‘transversalidade’
A forma como o governo tem conduzido temas polêmicos envolvendo o meio-ambiente tem sido motivo de profundo descontentamento por parte do movimento social e de ambientalistas. Havia grande expectativa no início do governo Lula com a aplicabilidade do conceito da “transversalidade”. O conceito da "transversalidade" adotado pela ministra Marina Silva do Meio-Ambiente como o eixo fundante de sua ação no ministério propunha que a temática ambiental estivesse no cerne de todas as decisões do país e permeasse todas as deliberações políticas.
Por detrás da concepção de transversalidade está a idéia de que a questão ambiental não pode ser tratada apenas como mais uma política pública, mas que em função da crise ecológica se tornou a questão premente e mais importante sob a qual todas as demais deveriam estar circunscritas. Entretanto, as derrotas do conceito da “transversalidade” começaram a se fazer sentir, entre outras, na aceitação dos transgênicos, na importação de pneus usados, na transposição do Rio São Francisco, na produção do etanol, na polêmica da construção das hidrelétricas no Rio Madeira, na “privatização” da Amazônia e na retomada do programa nuclear.
Ironicamente, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) ataca a política ambiental do governo. Considera-a 'radical' e se recusa participar da Conferência Nacional do Meio Ambiente. É a notícia que o sítio do IHU reproduz essa semana. O documento dos empresários salienta que a Conferência tem sido 'hostil' à indústria e que na mesma não se consegue produzir uma política de desenvolvimento sustentável para o País. Apesar das queixas, o presidente do Conselho Temático Permanente do Meio Ambiente da CNI, Robson Andrade reconhece que houve avanços na área ambiental, sobretudo porque “o governo percebeu que, para viabilizar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é preciso superar o gargalo dos licenciamentos ambientais, que, por exemplo, atrasaram o início dos projetos de hidrelétricas no Rio Madeira”.
O Ministério do Meio Ambiente rebateu as críticas da Confederação Nacional da Indústria (CNI) afirmando que “as conferências seguem um modelo de gestão que viabiliza o compartilhamento de poder e a co-responsabilidade entre Estado e sociedade civil”.
Crise ecológica 3 – Trabalhador contra trabalhador
Sobre o rio Madeira, outra notícia da semana no sítio do IHU destaca que o Funcef e Petros querem ser sócios na construção das usinas de Santo Antônio e Jirau. Os fundos de pensão dos funcionários da Caixa Econômica Federal e da Petrobras, respectivamente - querem tornar-se "sócias estratégicas" do consórcio que arrematar a concessão das hidrelétricas do Madeira e ter participação de até 40% na sociedade. Por um lado, milhares de trabalhadores se colocam contra a construção das usinas e, do outro, também trabalhadores através dos seus milionários fundos de pensão se colocam favoráveis porque vêem ótimas perspectivas de lucros para os mesmos fundos e seus acionistas.
Provavelmente os fundos de pensão irão se juntar com as estatais do Grupo Eletrobrás (Chesf, Eletronorte e Eletrosul). Bancos também anunciaram que irão entrar na disputa. A obra de construção das usinas no Madeira é o maior investimento do PAC e gira em torno de R$ 25 bilhões.
Ainda no sítio do IHU da semana, notícias dão conta em que pese a oposição do movimento social e ações na Justiça, a transposição do Rio São Francisco segue em frente. Cerca de 250 homens do 2º Batalhão de Engenharia do Exército trabalham em Cabrobó (PE). Os militares concluem a infra-estrutura do alojamento para início das obras de construção dos canais de aproximação do rio com as duas primeiras barragens.
Os críticos à transposição promovem uma caravana que tem percorrido 11 capitais, para protestar e buscar apoio da sociedade civil. Um dos líderes do grupo, que inclui especialistas, professores e promotores públicos, o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Apolo Heiringer Lisboa defende a tese de que a transposição do São Francisco não se sustenta nos números. “A argumentação do governo é de que só vão ser retirados 26 metros cúbicos de água por segundo do rio, mas a obra está planejada para retirar 127 metros. Isso equivale a fazer um prédio de 127 andares, mas só usar 26, arcando com o condomínio do total”.
Para ele, o governo pretende usar a vazão total do rio, embora não revele esse dado, com o objetivo de privilegiar atividades econômicas como a criação de camarões e a plantação de frutas para exportação. Infelizmente, o Brasil parece não perceber que frente à crise epocal, desencadeada pelo aquecimento global, joga um papel estratégico. No contexto da crise ambiental, o país abre mão de utilizar racionalmente os recursos naturais limitados e parte com tudo para opções preocupantes.
Crise ecológica 4 – ‘Nunca se calculou com tanta precisão os desastres’
A crise ecológica foi também abordada por Washington Novaes ao destacar que “há poucos dias, a ONU informou que em sete meses deste ano 117 milhões de pessoas foram vítimas de desastres naturais”. Destaca o ambientalista a partir de dados da ONU que “de janeiro a abril, registraram-se as mais altas temperaturas médias no planeta desde 1880. Maio e junho foram os meses mais quentes da História na Europa (mais 1,7 grau na média). Nunca houve tantas informações sobre a gravidade do quadro mundial na área de mudanças climáticas e sobre o que poderá acontecer nos próximos anos. Nunca se calculou com tanta precisão o desastre econômico que poderá advir, se nada for feito”.
“E, no entanto, diz Washington Novaes, continua extremamente difícil chegar a qualquer acordo capaz de inverter o rumo”. Os Estados Unidos continuam sendo o grande vilão quando se constata que apenas 6,1% do consumo de energia no país vem de fontes renováveis. Nunca é demais lembrar que os EUA têm 4% da população mundial, mas respondem por 25% da emissão de poluentes na atmosfera.
Crise ecológica 5 – O desaparecimento das abelhas e a advertência de Einstein
Entretanto, a manifestação mais grave de que algo sério se avizinha no contexto da crise ecológica é o fato de que as abelhas estão desaparecendo em várias partes do mundo. As primeiras notícias sobre o fenômeno do desaparecimento das abelhas foram recebidas como uma espécie de enredo de um novo filme de ficção científica. Mas o problema tornou-se muito real. Nos Estados Unidos recebeu o nome de Colony Collapse Disorder (Desordem e Colapso da Colônia).
A abelha é um dos insetos mais sensíveis da natureza e um dos primeiros a sentir qualquer tipo de alteração no meio ambiente. As razões do crescente desaparecimento ainda são um mistério. Uma das possibilidades é que estejam sucumbindo a algum parasita desconhecido. Porém, hipóteses mais razoáveis indicam que o uso indiscriminado de pesticidas nas plantações, lavouras transgênicas e até o aquecimento global estão na lista de possibilidades.
Nessa semana o sítio do IHU reproduz a notícia de que as abelhas estão desaparecendo também no Sul do Brasil. Segundo Jair Barbosa Júnior, do Instituto de Estudos Socioeconômicos, com sede em Brasília, uma das possíveis causas do fenômeno pode ser a influência de lavouras transgênicas. No Brasil, lembrou Barbosa, não há estudos aprofundados sobre o impacto dos transgênicos no ecossistema. Outra possível causa apontada pelo pesquisador é o aquecimento global. O sistema de orientação das abelhas funciona por meio dos olhos. As abelhas dependem da luz solar para encontrar o caminho de volta para as colméias. O aumento da incidência de raios ultravioletas poderia, assim, ser uma das causas do fenômeno. Essa possível causa não explica, porém, o que está atingindo o sistema imunológico dos animais.
A reportagem comenta a advertência de Einstein. O físico Albert Einstein disse que se as abelhas desaparecessem, a humanidade seguiria o mesmo rumo em um período de 4 anos. A razão é muito simples: sem abelhas não há polinização, e sem polinização não há alimentos.
Congresso do PT
A pauta do 3º Congresso do PT traz como temas: O Brasil que queremos; o Socialismo Petista
e PT: Concepção de partido e funcionamento. Porém, o que está em jogo no Congresso é saber se o PT sairá do mesmo mais governista ou menos governista. O resultado traz implicações para 2010 – próxima eleição presidencial. Hoje o partido está totalmente refém de Lula. A possibilidade de uma autonomia maior em relação ao governo poderia indicar uma possibilidade do partido se posicionar nas eleições daqui a três anos.
Do jeito que está quem dá as cartas é o presidente. Poucos discordam de que o PT ficou ainda mais dependente de Lula depois do mensalão. Segundo o sociólogo Brasílio Sallum, “depois que lideranças foram atingidas, especialmente José Dirceu, o governo ficou com muito pouca capacidade propositiva. Além disso, o partido foi muito atingido. Como o presidente conseguiu se isolar relativamente, aumentou a capacidade dele de comandar o governo e se reduziu o peso do PT na coalizão. O PT ficou mais dependente da figura do presidente”.
Faz poucos dias, reunidos em jantar na casa de Michel Temer, presidente do PMDB, dirigentes dos onze partidos que integram o consórcio governista celebraram um pré-acordo eleitoral. A pedido de Lula, as legendas acertaram que tentarão firmar alianças entre si no pleito municipal de 2008. “Se nos juntarmos, entraremos na disputa mais fortes. Nossa divisão abre espaço para os adversários”, disse Lula ao recomendar o entendimento entre os aliados. Para o presidente, 2008 é a ante-sala da disputa presidencial de 2010. Acha que, entendendo-se desde já, as legendas governistas terão mais chances de manter-se unidas na corrida para Planalto.
A mesma tese Lula defendeu em outro jantar com governadores do PT. Lula disse que partido deve priorizar alianças com o PMDB, PSB, PDT e PC do B nas eleições de 2008. Assim, teria garantia de governabilidade nos dois anos finais de seu mandato e esse conjunto de forças poderia apresentar uma candidatura presidencial única em 2010. Enquanto cuida do consórcio, e aqui se explica a envergonhada, mas firme defesa de Renan, Lula vai ensaiando nomes. Afirmou que o partido não deve descartar o apoio a um nome de outra legenda para a cabeça da chapa presidencial e citou como exemplo a possibilidade de eventual apoio a Ciro Gomes (PSB).
O ex-ministro de Lula reagiu com uma frase curta: “O que devemos fazer hoje é ter muito juízo”. Segundo ele, “não colocar candidaturas precocemente e nem vetar candidaturas”. Ou seja, disse que topa e aproveitou para dar uma estocada em José Serra e Aécio Neves. Afirmou que se os dois se unirem em 2010 estarão representando as mesmas forças que estavam reunidas antes da Revolução de 30 – uma clara alusão a política conduzida pelas oligarquias agrárias de São Paulo e Minas que ficou conhecida como ‘café com leite’.
PT e o Campo Majoritário
A total dependência do PT à figura de Lula, a sua subserviência ao governo e o debate reduzido aos horizontes da luta eleitoral é objeto de análise de Alípio Freire em artigo sobre o 3º Congresso do Partido. Segundo ele, o partido tem um responsável por ter chegado a essa situação: o Campo Majoritário. Diz ele: “O autodenominado ‘Campo Majoritário (CM) criou a idéia, que se pretende consensual, de que o projeto que impôs e capitaneou desde os anos 1980, e que culminou com os dois mandatos presidenciais, é um projeto vitorioso. A questão, de tão singela, é cansativa. Até os tontos percebem: Vitorioso para quem, cara-pálida?”. Para ele, “os dirigentes do CM são responsáveis por todas essas mudanças na rota do PT e, embora aparentemente incompetentes para conduzir o partido numa política de garantia de direitos e conquistas para a classe trabalhadora e seu aliado (o povo), têm se demonstrado extremamente talentoso e competente para garantir, a partir desse instrumento que foi criado a serviço dos interesses da classe trabalhadora, para implementar e consolidar reformas e políticas neoliberais”.
O jornalista, membro do Conselho Editorial do jornal Brasil de Fato e fundador do PT conclui: “Se o Terceiro Congresso do Partido dos Trabalhadores não for capaz de dar passos no sentido de um giro radical da sua estratégia, terá sido um rito vão, apenas uma legitimação do que vem sendo imposto há mais de duas décadas pelo CM, e cuja face agora se escancara”.
As “três esquerdas”
Quem debate os rumos da esquerda no Brasil é o filósofo Ruy Fausto. O filósofo afirma que os intelectuais brasileiros têm contribuído pouco para se pensar um projeto de esquerda democrática no país. Segundo ele, “esquematicamente, os intelectuais tendem a assumir três posições diferentes, e a meu ver, as três equivocadas. Há por um lado os radicais, por outro os petistas, em terceiro lugar os que abandonaram a perspectiva de esquerda, e aderem a partidos como o PSDB”.
Sobre o primeiro grupo ele afirma: “Acho lamentável que intelectuais de bom nível continuem enchendo a cabeça da juventude com contos da carochinha sangrentos como o da ‘ditadura do proletariado’, fazendo abstração de tudo o que aconteceu no século 20”.
A respeito do petismo acrítico ressalta que “parte da intelectualidade do PT tomou a defesa do partido, e portanto dos corruptos, e pôs a culpa na imprensa pelo escândalo, como se ela tivesse montado o essencial”. Para ele, “a tendência a transformar tudo em complô da mídia - que está longe de ser inocente, principalmente na sua atitude para com o governo Lula, mas, no caso do mensalão, fora as diatribes sinistras contra intelectuais do PT proferidas por certa revista, ela acertou muito mais do que errou - é propriamente lamentável, e mostra a total desorientação de parte da intelectualidade petista”.
Em relação ao terceiro grupo - os que abandonaram a perspectiva de esquerda – comenta que houve “um deslizamento de pessoas que foram de esquerda em direção ao PSDB”. Para o filósofo, “aderir ao PSDB, ou ‘adotar’ a política dos tucanos é renunciar a uma posição de esquerda. O que significa: é abandonar a idéia de que é preciso antes de tudo combater a desigualdade monstruosa que existe no país, e a de que toda política deve visar em primeiro lugar a luta contra essa desigualdade, e o estabelecimento de uma situação em que os pobres não sejam mais hiperexplorados ou marginalizados”.
Retomando o debate acerca de um projeto de esquerda para o Brasil, o sítio do IHU realizou uma oportuna entrevista com o historiador Oswaldo Munteal que ao lado dos historiadores Jacqueline Ventapane e Adriano de Freixo são autores do livro João Goulart e um projeto de nação interrompido (Editora Contraponto, 2006). Comparando Goulart com o atual momento, Oswaldo Munteal comenta que “o grande diferencial, sobretudo, é que o governo de João Goulart pretendeu fazer coisas além do comum, do habitual, do óbvio que era feito pela política das velhas oligarquias. Foi um governo que apostou em uma utopia brasileira que não pode ser entendida como algo irrealizável. Pelo contrário, a utopia, em seu sentido crítico, quer dizer o que está mais próximo, o que é possível realizar, o que é efetivo, o que é para agora”.
Munteal destaca que “o personagem João Goulart, ainda não foi analisado”. “Conhecer João Goulart, diz ele, oferece um bom entendimento da situação atual. Ele pagou um preço alto pela sua personalidade. Acho que tem que se fazer justiça. Acho um escândalo um presidente como ele não ter sido anistiado até hoje. Aliás, é o único que não foi anistiado. João Goulart foi um reformista utópico, no melhor sentido da palavra, da realização das coisas, de um Brasil para o presente. Fez do trabalhismo de Getúlio Vargas um trabalhismo mais avançado. Esse é um grande mérito dele”.
Sobre o atual momento da política nacional, o historiador afirma que “a democracia representativa formal, parlamentar, já não é suficiente. Estamos vivendo isso pelo mundo afora e, especialmente, no nosso continente. Nosso parlamento se torna fragilíssimo. Ele não representa ninguém. Então, a rigor, as reformas de João Goulart podem voltar à pauta, mas é preciso um maior grau de radicalização, porque a nossa burguesia não suporta o tranco mínimo, e, agora, o tranco precisa ser maior ainda”.
O historiador destaca que “nesse momento, a agenda ainda está inconclusa, só que num país em que a miséria cresceu muito e a dívida social é imensa”. E faz uma severa crítica ao PT. “O PT, como gancho do liberalismo econômico e do neoliberalismo, é a última esperança dos conservadores da política e liberais da economia. É o último representante deste grupo que precisa de uma aristocracia operária para se manter no poder. Indiretamente, o governo está sendo muito útil”.
Crise financeira
Atento aos acontecimentos mundiais, o sítio do IHU continuou repercutindo o caráter e o significado da crise financeira internacional, bem como a sua implicação para a economia nacional. Na semana passada a Conjuntura da Semana se ocupou desse tema.
Um dos entrevistados na semana pela revista IHU On-Line sobre a crise foi o economista Guilherme Delgado. Segundo o economista o Brasil não está de todo livre da crise que apesar dos sinais de arrefecimento continua produzindo estragos. Para Delgado, “embora o crescimento mundial tenha se dado fortemente pela expansão chinesa, a economia norte-americana continua sancionando o crescimento mundial. Se a economia norte-americana se contrai, o mesmo irá ocorrer com a expansão econômica do leste asiático. Isso provoca uma recessão no comércio internacional, que afetaria o Brasil, reduzindo o superávit comercial que realizamos de maneira expressiva há quatro anos. Com isso, limitar-e-ia o crescimento e a expansão das exportações no crescimento o Produto Interno Bruto (PIB)”.
Guilherme Delgado destaca que hoje “o grau de exposição a crises externas da economia brasileira é bem melhor do que foi no período do Fernando Henrique Cardoso. Portanto, perante a crise que está ocorrendo, o Brasil está relativamente protegido. Aparentemente, nós não sofremos conseqüências de desestabilização, pois há hoje uma dependência de recursos externos muito menor do que tinha no governo de FHC. Isso permitiu que, nos últimos anos, se formasse um ‘colchão’de reservas cambiais, da ordem de 160 bilhões de dólares. Esse valor deixa o sistema mais protegido à crises financeiras”. “Agora - afirma o economista -, isso não é um antídoto contra qualquer tipo de crise. No contexto atual, estamos protegidos, mas isso não é definitivo.
Delgado avalia como positivo o fato de que “até agora, o governo está esperando, avaliando e resistindo, corretamente, a tomar medidas de ajuste fiscal. Uma elevação da taxa de juros, neste momento, seria inócua para melhorar a situação externa e contraproducente internamente”.
Para o economista Paulo Nogueira Batista Jr, analisando a crise e com um raciocínio diverso, concordando a análise de Guilherme Delgado, as ameaças ao crescimento são internas e não externas. Pergunta ele: “A turbulência financeira internacional ameaça o crescimento da economia brasileira?”. E responde: “Não somos invulneráveis, mas a balança comercial, o balanço de pagamentos em conta corrente, o ingresso de investimentos diretos e o nível de reservas internacionais indicam que o país pode resistir a choques externos de magnitude considerável sem ser obrigado a tomar medidas recessivas”.Em sua opinião a maior ameaça ao crescimento talvez seja interna. “A turma da bufunfa, embora ‘cansada’, já se agita e já se mobiliza. Pede aumento do superávit fiscal primário. Quer que o Banco Central interrompa, ou pelo menos desacelere, os cortes na taxa básica de juro”.
O ministro da Fazenda Guido Mantega descarta políticas ortodoxas. Ele disse que não vê razão para que o Banco Central eleve a taxa de juros. “Qual é a lógica disso?” O ministro acredita que a economia brasileira não será afetada mesmo com uma desaceleração da economia mundial. “Hoje, o dinamismo da economia brasileira depende mais do mercado interno do que do externo. A locomotiva da economia brasileira é o mercado interno que, por sinal, está bombando. As vendas no varejo estão crescendo a taxas de 13%”, afirma o ministro. “A turbulência não terminou, vai demorar ainda um pouco. Mas aposto que o crescimento vai continuar. Estou empenhando minha reputação nisso”, diz ele.
Mantega afirmou também que o Brasil caminha para alcançar até 2010 o déficit nominal zero, ou seja, atingir as receitas necessárias para cumprir todas as despesas públicas, inclusive os gastos com juros.
Uma análise do caráter estrutural da crise financeira internacional é feita pelo economista Fernando Cardim de Carvalho. O professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) afirma que “não deve surpreender ninguém que turbulências financeiras de maior ou menor gravidade fizeram sua reentrada no cenário mundial exatamente depois que a contra-revolução liberal persuadiu lideranças políticas de vários países a promover a chamada desregulação”.
Segundo ele, “as ineficiências de mercados financeiros insuficientemente regulados não são pragas apenas de países em desenvolvimento. A crise atual foi gerada nos Estados Unidos e expandiu-se pelos centros financeiros mais avançados da Europa e da Ásia. Países em desenvolvimento, como o Brasil, sofrem o impacto dessa crise porque também tomaram o bonde da desregulação, mas nada têm a ver com sua origem”.
Uma análise pouco usual, porém não menos instigante, sobre a crise é feita pelo jornalista argentino Washington Uranga em artigo para Página/12, traduzido e publicado no sítio do IHU. Comenta Uranga: “Caracterizado como um personagem presente em nossas vidas cotidianas, o Mercado é apresentado com sentimentos quase humanos: é capaz de ter ‘medo’ e ‘ambições’. É ‘hábil’, às vezes ‘racional’ e outras tantas ‘irracional’. Em alguns casos tem ‘pânico’. Está em condições de ameaçar, escorar ou desestabilizar governos de países como os nossos, mal chamados ‘emergentes’, desconhecendo e desprezando o que as urnas da democracia tenham determinado. Suponho que aqueles que o conhecem devem chamá-lo respeitosamente de Mister Mercado, porque também dizem que o inglês (e nunca o espanhol) é a linguagem própria dos Mercados. Mr. Mercado se comporta de maneira ‘inquieta’ ou ‘serena’”.
Sobre isso e em sintonia com Uranga, diz Guilherme Delgado, “é importante compreender que a economia é uma ciência pobre do ponto de vista de previsão, porque ela trabalha com as variáveis psicológicas e de natureza puramente avaliativa, que mudam o tempo todo. Por isso, nós não sabemos dizer exatamente o que ocorrerá no futuro”.
Livro revela a tumultuada vida espiritual de Teresa de Calcutá
Teresa de Calcutá, como ficou conhecida a albanesa Inês Gonsha Bojaxhiu, ganhou a admiração dos indianos e do mundo inteiro por sua inteira e generosa dedicação aos pobres de Calcutá. “Até hoje trabalhamos com os mais pobres entre os pobres”, disse a irmã Christie, porta-voz das Missionárias da Caridade, congregação fundada em 1950 pela ‘Madre’, como é conhecida no subcontinente. Sua obra é referência na acolhida e no trabalho com os mais pobres, necessitados e doentes da Índia. “Fazer que pessoas que viveram como animais possam morrer como filhos de Deus”, teria sido sua missão, segundo Joaquim Navarro-Vals.
Madre Teresa morreu em 1997 aos 87 anos. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1979 e foi beatificada por João Paulo II em 2003, no que se caracterizou como um dos processos mais rápidos da história.
Mas, quem sempre a via solícita e sorridente, bem como sua incansável dedicação à obra florescente, não conseguiria imaginar o que se passava em seu íntimo. Como diz o ditado popular, “quem vê cara, não vê coração”. Ao longo de cerca de 50 anos, foi acometida de violentas crises de fé. Teve uma vida espiritual muito agitada.
O livro “Mother Teresa: Come Be My Light” (Madre Teresa: Vem e seja a minha luz), da editora Doubleday, que será lançado em setembro nos Estados Unidos, desvenda essa outra face de Madre Teresa. O livro se baseia na correspondência que a religiosa manteve com os seus confessores e superiores durante 66 anos. As 40 cartas (60 segundo outros) foram reunidas pelo padre Brian Kolodiejchuk que é, além disso, o responsável pelo processo de canonização da missionária e pela coleta dos materiais de apoio.
“As cartas são um contraste à imagem pública de madre Teresa de incansável lutadora pelos pobres, movida sempre pela fé”, diz reportagem do Estadão. "Nunca li a história da vida de um santo que tivesse uma sombriedade espiritual tão intensa. Ninguém sabia que ela estava tão atormentada", disse James Martin, editor da revista jesuíta America.
“Cartas sombrias” – algumas passagens
Os textos tratam de vários assuntos, mas os que devem causar mais polêmica são os que constam do que a editora chamou de "cartas sombrias". "Por favor reze especialmente por mim para que não estrague a obra d'Ele e que Nosso Senhor possa se mostrar - pois há uma escuridão tão terrível dentro de mim, como se tudo estivesse morto", escreveu ela em 1953. "Tem sido assim mais ou menos desde que dei início à ‘obra’."
Em 1956: "Tão profunda ânsia por Deus - e ... repulsa - vazio - sem fé - sem amor - sem fervor. (Salvar) almas não atrai - O céu não significa nada - reze por mim para que eu continue sorrindo para Ele apesar de tudo."
“O silêncio e o vazio são tão grandes que olho e não vejo, escuto mas não ouço, a língua se move (durante a oração) mas não fala”, disse numa carta dirigida a seu conselheiro espiritual, Michael van der Peet, no princípio dos anos 1980.
Cristo era ele mesmo o vazio, “Jesus, o Ausente”, aquele que sempre cala. Através de mais da metade de sua vida, um só grito: “Me rejeitaste, me jogaste fora, não querida e não amada. Eu o chamo, eu me agarro, eu quero, mas não existe Alguém que responda. Ninguém, ninguém. Sozinha. Onde está a minha Fé... Até lá em baixo, na profundeza, nada mais que vazio e obscuridade – Meu Deus – como faz mal esta pena desconhecida... Por que razão me atormento? Se não existe algum Deus também não existe a alma, e então também tu, Jesus, não és verdadeiro... Eu não tenho nenhuma Fé. Nenhuma Fé, nenhum amor, nenhum zelo. A salvação das almas não me atrai, o Paraíso não significa nada... Eu não tenho nada, nem mesmo a realidade da presença de Deus”.
Mas, as dúvidas fazem parte do itinerário de quem busca a Deus. “A Madre não duvidava de Deus, continuava a amá-lo. Se duvidas de alguém, depois deixas de segui-lo, ela continuou até sua morte a amá-lo e a pôr em prática esta devoção”, disse a irmã Nirmala Joshi, a herdeira da obra de Madre Teresa. “Desde o primeiro momento entendi toda a sua grandeza, era uma grande mística contemplativa”, completa.
Teresa de Calcutá e o silêncio de Deus
“Certamente, sua convicção religiosa não era fácil de entender, sendo imune à banalidade e à superficialidade”, afirma Joaquim Navarro-Vals. “Madre Teresa sabia muito bem que a experiência existencial de cada pessoa passa através de momentos de dificuldade, momentos de grande aridez e de desolação profunda, mas tudo isto não é expressão de uma falta de fé, mas do normal – talvez em seu caso, heróico – sacrifício que cada um encontra quando procura viver coerentemente e até o fundo os próprios empenhos e as próprias escolhas”, acrescenta.
A experiência de Teresa de Calcutá encontra similaridades em experiências de grandes místicos da espiritualidade no Ocidente. Teresa de Lisieux, em seu leito de morte dizia: “Não creio na vida eterna...”. São João da Cruz vivia suas “noites escuras”. Blaise Pascal estava à procura do “Deus oculto”.
Também Santo Inácio de Loyola se referia às “desolações”, como aqueles momentos em que Deus parecia longe, distante, e em que não se experimenta satisfação interior, mas apenas secura espiritual. Experiência semelhante àquela relatada por Teresa de Calcutá: "Digo palavras de orações comunitárias - e faço de tudo para tirar de cada palavra a doçura que ela tem de transmitir - mas minha oração de união já não existe - não rezo mais."
É quando Deus parece não falar, não responder e, por conseguinte, não apetecer os sentidos interiores. Reina a “escuridão interior”, atravessa-se um “deserto interior”; enfim, o silêncio de Deus.
Aliás, o silêncio de Deus tem sido tema constante ultimamente. O silêncio de Deus diante das atrocidades do Holocausto, da guerra, da fome... “Falamos do sofrimento humano. Como viver entre os pobres, melhor dizendo, como sofrer injustiças, violências ou tragédias sem perguntar-se onde está Deus ou porque se cala. O fez inclusive Bento XVI durante a sua visita ao campo de concentração de Auschwitz: ‘Por quê Senhor tolerou tudo isso’? E perguntou de outra bela maneira o filósofo alemão Teodoro Adorno: ‘É possível fazer poesia depois Auschwitz?’”, escreve o jornalista espanhol Juan Bedoya.
João Paulo II fez referência ao silêncio de Deus numa audiência pública, em dezembro de 2002, quando, fazendo referência ao profeta Jeremias, disse: “Além da espada e da fome, há, realmente, uma tragédia maior, que é o silêncio de Deus, que não se revela mais e parece que se fechou no seu céu, como se estivesse desgostoso do agir da humanidade”. As palavras repercutiram intensamente na Europa e causaram polêmica.
Massimo Cacciari, ex-prefeito de Veneza, na Itália, e professor de filosofia, escreveu dizendo: “O papa não fala de um Deus vingador, mas de um Deus emudecido: e a pergunta sobre como escutar o silêncio vale tanto para o católico quanto para o não católico, que deveria colocar-se aquelas questões que no passado se chamavam as ‘questões últimas’, aquelas questões sobre as quais pensar não quer dizer calcular, mas sim se perguntar sobre o que somos, de onde viemos, qual o sentido da nossa vida. Perguntas que talvez não tenham resposta. Mas se no mundo contemporâneo as únicas interrogações sensatas são aquelas que podem ter uma resposta clara e definida, então o tema do silêncio de Deus cai no vazio”.
Manfred Zeuch, teólogo luterano, também reflete sobre o silêncio de Deus. Para ele, trata-se de “saber discernir e perceber sua palavra e ação que não são imediatamente perceptíveis”. Ou seja, diante de um mundo sempre mais desejoso de respostas fáceis e imediatas, o silêncio de Deus remete a uma outra lógica.
Madre Teresa e os teólogos da libertação
Juan Bedoya encontra similaridades entre os teólogos da libertação e Madre Teresa: “Os teólogos da libertação clamam contra o silêncio de Deus, mas denunciam sobretudo a falta de consciência da humanidade (hierarquias, poderosos, acomodados). São rebeldes de uma causa dupla. Ao contrário, Madre Teresa defendeu antes do que nada a fidelidade ao magistério de Roma. Teve que sofrer muito como descrevem as suas cartas. Também ela encontrou a maior pobreza moral, não em Calcutá, mas sim nos países ricos”. Ambos também se perguntaram pelo silêncio de Deus. Assim mesmo, Madre Teresa não nutria simpatia pela Teologia da Libertação e os teólogos da libertação consideravam-na ingênua e sem uma visão crítica da realidade.
“Nenhuma novidade”, diz o Vaticano
No Vaticano, mais especificamente na Congregação para as Causas dos Santos, afirmam que o conteúdo das cartas não é “nenhuma novidade e, muito menos, nenhum espanto”. “Estas cartas são as mesmas que eu publiquei em meu livro editado há cinco anos - “O segredo de Madre Teresa” (Edicções Piemme) -, e esgotado durante a beatificação de Madre Teresa”, conta Saverio Gaeta, redator-chefe do semanário Família Cristã. “Trata-se do material analisado durante o processo de beatificação e que o padre Brian antecipou há 5 anos no site das Missionárias da Caridade”, acrescenta Gaeta.
Um dos desejos de Madre Teresa, antes de sua morte, era que as cartas, agora recolhidas, em livro, fossem destruídas. No próximo dia 05 de setembro, terão transcorridos 10 anos de sua morte.