Um leilão que não se encerrou
Nem todo mundo sabe, mas atualmente existem mais de 100 ações populares contra o leilão que, em 97, retirou das mãos do Estado o controle acionário da Companhia Vale do Rio Doce. Em outubro de 2005, o Tribunal Regional Federal de Brasília julgou que 69 dessas ações não seguiriam arquivadas em Belém (PA), onde não foram devidamente apreciadas.
A decisão do TRF de Brasília, além de “ressuscitar” as ações populares, pretende apurar se houve vícios no edital de venda e se a empresa foi subavaliada na época. Nesse momento, cabe recurso aos réus nas ações, que, entre 15 nomes citados, são o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a União e o BNDES, entre outros.
O jurista Eloá Cruz é autor de ação popular pedindo a declaração de nulidade do leilão. De acordo com a Constituição, a ação popular é um instrumento para que qualquer cidadão possa mover um processo sem o risco de pagar os honorários se o julgamento for desfavorável. “Basta apenas ter título de eleitor para usar este instrumento, à disposição de qualquer um”, diz.
O jurista exemplifica que o leilão da CVRD não foi lícito com os seguintes argumentos: a Lei de Licitação determina que, para o leilão de bens móveis, na bolsa de valores, é obrigatória uma avaliação prévia desses bens. Do ponto de vista de Cruz, se o TRF de Brasília considerar procedente que houve a irregularidade na avaliação prévia da companhia, então isto implica dizer que a própria venda foi inválida.
Cruz acrescenta, lembrando novamente a Lei de Licitação, que “Não pode haver nenhum vínculo entre avaliador e comprador”, apontando a participação do Bradesco no consórcio de avaliação de venda, para mais tarde tornar-se acionista da companhia. A consultora estadunidense Merril Lynch também é alvo de dúvidas, pois tinha relação de negócios, na época, com o Anglo American, grupo que participou da venda da Vale.
Entre outros pontos, o jurista ainda defende que, como não há previsão de tempo para uma decisão favorável à anulação do Leilão, os dividendos da Vale devem ser depositados em um fundo à disposição do Tesouro Nacional, como medida cautelar. Não só isso: de acordo com a Lei de Ação Popular, se o que está em jogo é o interesse público, o presidente Lula, como dirigente da União, pode escolher de que lado posicionar-se no caso.
Intertítulo. Possibilidade concreta
Na opinião da deputada federal Dra Clair da Flora Martins (PT-Paraná), autora de ação questionando as ilicitudes do leilão, agora a estratégia é para que a decisão de Brasília seja mantida, visando a anulação da venda e a conseqüente indenização aos cofres públicos. A deputada informa que existe um fundo criado por lei que a companhia deveria de depositar para os estados, mas deixou de cumprir depois de privatizada. Além da disputa nos tribunais, é importante a mobilização da comunidade, cobrando dos candidatos uma posição, junto com a circulação de informação nos comitês formados nos estados.
Já a ação encabeçada pela deputada estadual Socorro Gomes (PCdoB - Pará), contesta os argumentos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quando justificou o leilão da CVRD. Paulo Guimarães, advogado do partido, ressalta a possibilidade de que a União volte a ter o controle acionário da Companhia Vale do Rio Doce. “Se o controle acionário passasse para a União, não vai haver impacto negativo para a companhia. Haveria um acerto de contas com os investidores privados, para saber o que os participantes investiram”, pensa.
O contexto das quatro perguntas do plebiscito
As organizações podem trabalhar com as quatro perguntas do plebiscito ou apenas com a primeira questão, sobre a retomada da Vale. Alguns estados optam por incluir na cédula uma questão regional. É o caso do Rio Grande do Sul, que acrescentou uma pergunta sobre a questão do pedágio no estado.
1. Em 1997, a Companhia Vale do Rio Doce – patrimônio construído pelo povo brasileiro – foi fraudulentamente privatizada, ação que o governo e o poder judiciário podem anular. A Vale deve continuar nas mãos do capital privado?
A primeira questão é sobre a retomada da Vale, maior empresa brasileira hoje em patrimônio, a partir da reabertura na Justiça das ações populares que colocam em xeque o leilão da companhia. Este fato deu margem à discussão sobre o controle acionário da companhia estar nas mãos de grupos privados, que têm o direito ao lucro da companhia, cuja produção está totalmente voltada para exportação. Fica a pergunta sobre tudo aquilo que é produzido pela Vale, e o pouco que fica nas mãos do trabalhador.
2. O Governo deve continuar priorizando o pagamento dos juros da dívida exterma e interna, em vez de investir na melhoria das condições de vida e trabalho do povo brasileiro?
O tema da dívida pública passa por todas as perguntas do plebiscito popular. Pois se refere à parte do orçamento que o governo destina anualmente para o pagamento da dívida pública, em detrimento de setores essenciais como educação, saúde e previdência. No início do governo FHC, seu valor era de R$ 148 bilhões, porém, em 2002, ao final do governo, chegou à casa dos R$ 670 bilhões. No ano passado, o governo gastou com juros e amortizações das dívidas interna e externa R$ 275 bilhões, ou seja, 36,7% do orçamento de 2006 (dados da Auditoria Cidadã).
3. Você concorda que a energia elétrica continue sendo explorada pelo capital privado, com o povo pagando até 8 vezes mais que as grande empresas?
O Brasil está na quinta colocação entre os países de energia mais cara do mundo, apesar de possuir uma das fontes mais baratas de energia, gerada na hidrelétrica. O contrasenso é que cerca de 500 empresas brasileiras pagam em média R$ 0,06 centavos o kilowatt, ao passo que o trabalhador paga 0,60 centavos o kilowatt. A pergunta sobre a tarifa de energia contempla o trabalho de base que organizações vêm desenvolvendo, como é o caso do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
4. Você concorda com uma reforma da previdência que retire direitos dos trabalhadores?
A pergunta se encaixa na mobilização dos trabalhadores em 2007, o que ficou expresso no dia 23 de maio, quando os trabalhadores saíram às ruas para exigir do governo “nenhum direito a menos”. O corte de gastos e de direitos da previdência acaba sendo o novo alvo do governo. Porém, é como se a parte do orçamento separada para a dívida fosse invisível. Pois, para ter uma idéia, em 2006, enquanto 25,73% do orçamento geral da União foram gastos com a previdência, 36,7% foram destinados às chamadas despesas financeiras (como a amortização da dívida pública interna e a reserva de superávit primário).
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