Romaria das Águas e da Terra

Foram 5 km de fé, orações, cantos e o desejo de que água e terra sejam acessíveis, que a preservação destes bens se torne um compromisso assumido por todos. Neste clima de comunhão, milhares de pessoas, vindas de várias partes do estado, ganharam as ruas de Belo Horizonte para celebrar a 11ª Romaria das Águas e da Terra.
A caminhada, que teve início no viaduto Ulisses Guimarães, seguiu até à Praça da Estação e representou o Rito Penitencial da Celebração, foi um momento único para a Arquidiocese de Belo Horizonte. O arcebispo metropolitano, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, lembrou a importância da Romaria para a Igreja: “acolhemos este movimento com alegria, porque nosso trabalho é de conscientizar a todos sobre uma questão tão relevante”.
A todo momento a 11ª Romaria das Águas e da Terra lembrava o trabalho da missionária Irmã Doroty e de Dom José Mauro, importantes defensores de causas sociais relacionadas ao tema.
Para o bispo emérito de Goiás Velho, Dom Tomás Balduino, a Romaria representa um momento especial na caminhada da Igreja, que a partir do Concílio Vaticano II e da II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano (Medelin) se abriu para o mundo dos pobres.
A celebração da 11ª Romaria das Águas e da Terra foi encerrada com a proclamação da carta de compromisso.
Leia, na íntegra, a carta de compromisso da 11ª Romaria das Águas e da Terra de Minas Gerais.
Terra e Água, no campo e na cidade, a vida em primeiro lugar
Belo Horizonte, 19 de agosto de 2007.
“A terra geme e seus filhos desfalecem; ... até peixes do mar estão desaparecendo.” (Os 4,3).
“Olhei as montanhas: elas tremiam, e todas as colinas se abalavam.” (Jr 4,24).
Em romaria, somos homens e mulheres do campo e da cidade, caminhamos na capital – centro das decisões políticas de Minas Gerais-, com um só desejo, de proclamar que terra e águas são sagradas. A vida deve estar em primeiro lugar. Queremos construir o projeto de Jesus Cristo: “vida em abundância para todos e tudo”. (Jo 10,10).
A vida se manifesta no chão das Minas Gerais de múltiplas culturas e de biodiversidades, contrapõe com o sistema neoliberal e nos atribui a missão de promover a dignidade humana e a ecologia. O lucro, em detrimento da pessoa humana, submete os filhos e filhas de Deus a situações de exploração e marginalização. Os pobres e a natureza, em todos os lugares, são excluídos dos projetos de desenvolvimento implementados pelos governantes que agem a serviço da acumulação do capital das grandes empresas e corporações transnacionais. A vida germinal, em todo canto, nos impulsiona à ruptura com as estruturas capitalistas. A mãe terra, seus filhos/as e a irmã água clamam pela construção de uma sociedade sustentável.
Vidas expulsas de seus territórios, camponeses e comunidades tradicionais – povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores, vazanteiros.
A Reforma Agrária se faz necessária como caminho rumo à justiça social e à preservação ambiental. A concentração de terras, muitas dessas terras públicas e griladas, apropriadas pelos latifundiários e pelo agronegócio, de forma violenta e criminosa, provocaram a destruição da natureza, dádiva divina.
Também o êxodo de milhões de famílias camponesas para as periferias das cidades. Encontramos na região metropolitana de Belo Horizonte mais de 4,9 milhões de habitantes, onde 13,8% desta população economicamente ativa estão desempregados. Aqui o déficit habitacional é de mais de 50 mil moradias para as famílias de baixa renda, e contraditoriamente, na região existem mais de 75 mil imóveis desocupados. Os recursos públicos, ao invés de aplicados para resolver problemas sociais e de infra-estrutura das comunidades em risco, são usados para viabilizar a circulação da riqueza. Entre essas obras, caminhamos na Linha Verde, avenida que, apesar do nome, não foi capaz de conviver com os pobres e devolver a vida ao ribeirão Arrudas. Águas sucumbidas correm ao desalento junto aos mais de 200 rios e córregos sepultados, ainda vivos sob as estruturas de concreto. Os pobres são expulsos do centro, aglomeram-se nas periferias em condições degradantes, sem espaço na “cidade” ou no campo, sem acesso às políticas públicas. Os moradores de rua lutam aguerridos pelos seus direitos. O lixo reciclado pelos catadores de papelão despertou a cobiça dos empresários que querem ceifar a autonomia daqueles que do lixo recriam a vida.
“O Deus da vida enxugará toda lágrima dos nossos olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor. Sim! As coisas antigas desapareceram!” (Ap 21,4). As comunidades se recriam, onde são estabelecidas novas relações entre as pessoas e a natureza emergem organizações populares nos aglomerados. Vozes novas lutam por reforma agrária também no ar, com democratização da comunicação.
A água, fonte de vida, está ameaçada pelas mineradoras, barragens e monoculturas. Entre os romeiros ouvimos o clamor dos atingidos pelas atividades da MBR, da VOTORANTIN, Rio Pomba, MMX, CVRD, CEMIG, ALCAN e tantas outras, que violam os direitos ambientais comprometendo a quantidade e a qualidade das águas. Em época de crise mundial de água, esses empreendimentos causam danos até aos mananciais de água de abastecimento público. A vida que jorra nas bacias hidrográficas agoniza nas águas poluídas, assoreadas e interrompidas por barragens. Anunciamos que a luz e a força de Deus brilham em nós e pedem a construção de uma sociedade sustentável.
O Rio São Francisco e toda a bacia sanfranciscana clamam por revitalização com terra, povo e rio vivo. Não queremos a transposição das águas do São Francisco, projeto insano, faraônico, mentiroso, sofisticação da indústria da seca. Os nordestinos precisam é da democratização da água lá existente, o que passa por um Projeto de Convivência com o semi-árido, pela construção de 1 milhão de cisternas, e mais 140 tipos de tecnologias alternativas e 530 obras prescritas pela ANA – Agência Nacional de Águas - no Atlas Nordeste. Transpor o São Francisco é tratar a água como mercadoria, é priorizar o hidronegócio em detrimento da vida Á água é bem ambiental – bem comum da humanidade e da biodiversidade. A vida quer ressurgir contra as monoculturas do eucalipto, da cana, do capim, da soja que geram conflitos e deixam atrás de si uma grande sujeira social e ambiental.
Denunciamos o modelo energético causador de irreparáveis conflitos sociais e ambientais, que transfere nossas riquezas às grandes empresas. Pagamos valor abusivo por energia elétrica, até 6 vezes mais o valor cobrado das empresas. A vida incomodada se mobiliza. Os movimentos sociais apresentaram à Assembléia Legislativa Projeto de Lei de Iniciativa Popular para a isenção de 100 quilowatts de energia às famílias de baixa renda.
As lutas populares ecoam vida, entre essas somamos esforços na campanha que repudia o programa de desestatização das empresas nacionais com a apropriação do patrimônio público pelo capital privado. Situações escandalosas e ilegais exigem a anulação do leilão que vendeu a Companhia Vale do Rio Doce por preço insignificante. “A Vale é nossa!”, clamam os romeiros.
Caminhamos por uma nova Jerusalém, juntos na luta por uma cidade mais justa e mais humana, e que todos, no campo e na cidade, tenham acesso às políticas públicas de saúde, moradia, educação, lazer, assistência social e soberania alimentar. Eis a glória de Deus caminhando conosco! Sentimos a luz e a força de Deus nos acompanhando!
Fiel ao projeto de Jesus Cristo libertador, em irmandade com os mártires da caminhada de nossa América, queremos nessa 11ª Romaria, renovar o nosso compromisso de salvaguardar a vida da terra e das águas. Pois, “enquanto a terra e água não forem de todos - é um pecado da humanidade que clama a Deus”. E assim veremos, então, um novo céu e uma nova terra. Amém! Aleluia! Axé! Auerê! Uai!.
Romeiros e Romeiras da 11ª Romaria das Águas e da Terra de Minas Gerais.
Fonte: www.arquidiocesebh.org.b
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