Conjuntura da Semana. Uma leitura das Notícias da Semana de 23 de julho a 06 de agosto de 2007
A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A presente análise toma como referência as "Notícias" publicadas de 23 de julho a 06 de agosto 2007. A análise é elaborada, em fina sintonia com o IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT - com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Eis a análise.
Lula, o jeito getulista de governar
“Mudança é contrariar interesses. Sob esse ponto de vista, o governo Lula fracassou. A opção foi a do equilíbrio”. A análise é do cientista político Luiz Werneck Vianna. Segundo o professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro – Iuperj, a opção de Lula foi a de “governar com o outro, com aquele que tinha sido derrotado”. Em sua avaliação “o que era para ser contingente foi se tornando permanente”. “Isso significou o quê? Este governo do PT, que veio pela esquerda, decapitou os seus adversários, incorporando as suas práticas”, comenta Werneck Vianna.
Na análise do sociólogo, Lula evoca o ‘Estado Novo’ do período getulista. “Qual foi a operação que o Estado Novo getuliano fez? Exatamente esta: tudo o que era vivo na sociedade ele trouxe para si. Tal como agora. Trouxe para si e, de cima, formula políticas para a sociedade”.
Lula repete o ‘Estado Novo’. “É uma metáfora, mas mais que uma metáfora”, diz Werneck Vianna. E explica, “um governo que absorve as representações corporativas de trabalhadores e empresários, com um chefe de Executivo carismático a mediar interesses conflitantes, fortalecido pela crescente centralização do Estado”. “Ele [Lula] tem força, carisma, para segurar essa colcha. Essa federação é boa para todos. Então, o Stédile tem os seus rompantes, mas continua parte do governo. O pessoal do agronegócio tem lá seus problemas com os sem-terra, mas fica, porque está bom ficar lá dentro”.
O risco? “Agora, cada um já procura jogar por fora do marco do Estado, sabendo que, trazendo força da sociedade, pode conseguir margem de manobra maior. Na medida em que todos começarem a fazer isso, esse equilíbrio vai ficar insuportável. Nem o carisma do Lula vai segurar”. O ‘Estado Novo’ de Lula, segundo Werneck Vianna, pode implodir em 2010, na medida em se aproximem as eleições. Mas não descarta uma hipótese: “Chegando a 2010, todos esses envolvidos e mais a vocalização das massas digam: Lula, não saia, que vai ser um inferno”.
A aguda interpretação de Luiz Werneck Vianna é a de que o governo Lula engoliu a todos. O movimento social grita, reage, mas no limite não rompe com o governo; a direita esperneia, protesta, mas rende-se ao governo de coalizão; o capital produtivo e financeiro reclama, mas está contente com Lula. No máximo o presidente, deixa “que os dissídios internos amadureçam e no final arbitra e decide”.
O jeito getulista de Lula governar se faz presente, entre outros fatos, na configuração do novo núcleo de poder que o cerca e na sua reação ao maior acidente aéreo da história brasileira.
Se no primeiro mandato prevaleceu, um “núcleo duro” de poder - aquele que reunia José Dirceu, Antonio Palocci, Luiz Gushiken – agora, o novo núcleo tem mais gerentes do que políticos. O que caracteriza o novo núcleo é que Lula ouve muitas opiniões, mas decide praticamente sozinho. Quem descreve o novo núcleo do poder é os jornalistas Raymundo Costa e Cristiano Romero que acompanham os bastidores do poder em Brasília.
Segundo os jornalistas, fazem parte desse núcleo Dilma Rousseff (Casa Civil), Paulo Bernardo, (Planejamento), Guido Mantega (Fazenda), Walfrido dos Mares Guia (Relações Institucionais), Gilberto Carvalho (secretario particular) e Franklin Martins (Secretaria de Comunicação). No novo núcleo, Gilberto Carvalho desempenha papel importante. Segundo a análise, “nas reuniões ele escuta mais do que fala, o que deixa para fazer depois, a sós com Lula. Assessor da estrita confiança do presidente, Carvalho tem sido usado para missões externas. É hoje o principal vínculo do presidente com o PT”. "Quando fala com alguém, Gilberto é o presidente da República", diz um ministro da coordenação, destacam os jornalistas.
O núcleo, ao contrário do anterior, se caracteriza por poucas rivalidades. Os seus integrantes, com exceção de Gilberto Carvalho, muito pouco tem a ver com a história e a organicidade do PT. Retirando-se Dilma Rousseff não há no grupo candidatos presidenciais em potencial à Presidência. A idéia de que Dilma venha a ser candidata em 2010 é do próprio Lula condicionado ao desempenho do PAC. A análise dá conta que o grupo de ministros e assessores que integram esse núcleo, conhecido formalmente como "coordenação política" do governo, formou-se definitivamente a partir do caos aéreo.
“Conciliar interesses”
A obstinação de Lula em “conciliar interesses” - expressão de Werneck Vianna, arrefecer ânimos, neutralizar forças opositoras incorporando-as no governo se necessário e mediar conflitos ficou visível na crise aérea. O convite a Nelson Jobim atende ao interesse imediato de solucionar a crise, mas também contribui para neutralizar as críticas do PSDB, especialmente os de São Paulo, uma vez que Jobim tem ótimas relações com o PSDB – é amigo de José Serra - e foi o ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso. O novo ministro da Defesa também tem ótimo relacionamento com outros líderes importantes do PSDB, como o senador Tasso Jereissati, que é o presidente do partido, e o líder no Senado, Arthur Virgílio.
A indicação do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal embaralha ainda mais as cartas de 2010 ao gosto de Lula. O presidente se sentia em débito com Nelson Jobim desde a crise do mensalão. A jornalista Mônica Bergamo, lembra que “no auge da crise do mensalão, quando ainda era ministro do Supremo Tribunal Federal, o novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, teve em mãos processo explosivo: o da quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico de Paulo Okamoto, o amigão de Lula que pagou dívidas do presidente com dinheiro vivo. A CPI dos Bingos já havia obtido os dados de Okamoto. Por meio de liminar, Jobim determinou que os documentos fossem lacrados. A decisão foi mantida pelo Supremo”.
Jobim nunca escondeu que queria retornar à Esplanada dos Ministérios. Tentou se viabilizar como vice de Lula e posteriormente lançou-se ao frustrado projeto de se tornar presidente do PMDB. Gaúcho de Santa Maria como também é Tarso Genro, não esconde o sonho de chegar ao cargo máximo da República.
Quem não gostou nem um pouco foi o PT que promoveu uma verdadeira chiadeira mas que de pouco adiantou. Valter Pomar integrante da Executiva Nacional do PT queria incluir em resolução da Executiva da sigla trecho em que chamava Nelson Jobim, nomeado por Lula, de "ministro tucano". Foi demovido por outros integrantes do partido. O tiro era certeiro porque Jobim “está” no PMDB, mas sempre se articulou com o PSDB.
Ironicamente, setores do PT torcem para que Nelson Jobim dê certo. A cientista política Maria Izabel Noll, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), comenta que “Porto Alegre é uma cidade de classe média, o que pode aumentar o estrago”. Foi de Porto Alegre que partiu o vôo da TAM que resultou na morte de 199 pessoas na chegada a São Paulo e o impacto da tragédia foi grande. Agora, a pouco mais de um ano da próxima eleição municipal, os pré-candidatos do PT à prefeitura de Porto Alegre, Miguel Rossetto e a deputada federal Maria do Rosário, torcem para que o novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, ajude a solucionar o caos do setor aéreo no país. A exploração da responsabilidade do governo federal no episódio durante a campanha de 2008 preocupa os petistas.
Na avaliação de Mino Carta a substituição de Waldyr Pires por Nelson Jobim no ministério da Defesa tem “o indiscutível sabor das guinada para a direita. Ao velho combatente, homem público honrado e coerente, foi negada toda a autonomia que agora é dada a um tucano peemedebista, amigão de FHC e de José Serra, habilidoso surfista da política nativa”.
Ato contínuo, o jornalista, no editorial da revista Carta Capital afirmou que a escolha de Jobim foi 'um erro político' de Lula. Será? Utilizando a ‘chave de leitura’ proposta por Werneck Vianna, exposta anteriormente, a interpretação seria outra.
A política de conciliação de Lula explica ainda a nomeação de Luiz Paulo Conde em Furnas. A sua nomeação se dá em troca do apoio da bancada peemedebista a CPMF. Conde é afilhado político do ex-governador fluminense Anthony Garotinho e do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), relator da emenda constitucional da DRU e da CPMF na CCJ da Câmara. O convite repercutiu mal no setor elétrico. Em Furnas, o clima era de "apreensão" pelo fato de ele não ser ligado à área. "Fico preocupado que a nomeação tenha obedecido um critério político. Até onde eu sei, [Conde] não tem experiência em cargo executivo de grande empresa nem no setor energético", disse Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende, que representa investidores privados em energia do país.
O principal projeto da Furnas Centrais Elétricas, empresa controlada pela Eletrobrás, será construir as duas usinas que formam o complexo do rio madeira – conferir análise na sequência. A companhia abastece de 51% das casas brasileiras. Em 2006, o balanço mostrou resultado operacional de R$ 5,3 bilhões.
O “ministério tucano”
Luiz Paulo Conde, Nelson Jobim... O governo Lula já conta com um razoável “ministério tucano”. Do governo FHC para o de Lula – além de Jobim que foi ministro da Justiça de FHC - já foram:
Reinhold Stephanes (PMDB-PR), ex-ministro da Previdência Social com FHC e atual ministro da Agricultura de Lula;
Márcio Fortes, secretário-executivo do Ministério da Agricultura no governo FHC e hoje Ministro de Cidades; Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado tanto com FHC quanto com Lula (após ser ministro da Previdência);
Henrique Meirelles, deputado federal eleito pelo PSDB em 2002 e nomeado por Lula para a presidência do Banco Central;
Roberto Rodrigues que pediu votos para a campanha presidencial de José Serra, candidato apoiado por FHC para sua sucessão em 2002 e depois, foi indicado por Lula para o Ministério da Agricultura;
Ronaldo Sardenberg, ministro da Ciência e Tecnologia de FHC e atual presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel);
Jerson Kelman, presidente da Agência Nacional de Águas no governo FHC e hoje, diretor geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel);
Fernando Bezerra, ministro da Integração Nacional de FHC e líder do governo Lula no Congresso - cargo que deixou porque não foi reeleito para o Senado em 2006;
Renan Calheiros, ministro da Justiça de FHC e um dos principais aliados de Lula no PMDB.
É possível governar no Brasil sem a classe média?
A nomeação de Jobim indica claramente que Lula não titubeia em ir para a direita quando julga necessário. Outra interpretação da nomeação do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal para a Defesa é de que a mesma foi uma concessão à ‘gritaria’ da classe média brasileira. Aqui uma pergunta instigante surge: É possível governar no Brasil sem a classe média?
Na opinião do historiador José Murilo de Carvalho, “alguém disse muito bem que já se pode ganhar eleição sem classe média, mas é difícil governar sem ela. A classe média não pode ser conquistada com Bolsa Família nem com aumentos de salário mínimo. E ela é a senhora da opinião pública. Se quiser evitar mais turbulência, o governo terá que aplacá-la de algum modo”.
Segundo ele, “a classe média foi para as ruas em 1964 movida por razões religiosas e políticas, como o anticomunismo, muito fortes, que tinham respaldo popular. Voltou na campanha das Diretas e na do impeachment do presidente Fernando Collor, também com respaldo popular. Agora, esse respaldo é improvável. O apagão ético e o apagão aéreo ajudam a desmoralizar o governo, mas não despertam a reação das classes mais pobres”. Para ele, “a política econômica tem, sim, favorecido, e muito, o setor financeiro e bastante o povão, mas não a classe média, que está espremida entre o tostão e o milhão. E é ela que está mais descontente”.
Fábio Konder Comparato tem uma análise distinta a do historiador Murilo Carvalho. Segundo ele “essa faixa da população [classe média] foi politicamente muito importante no passado, porque tinha uma ligação direta com as Forças Armadas e a Igreja. Agora ela não tem a quem recorrer. Não pode mais reclamar ao bispo, porque ele não tem mais poder. E não pode mais atuar como vivandeiras dos militares porque, ao que parece, eles abandonaram as pretensões golpistas. Além disso, a classe média está hoje com maior desprezo pelo voto e pelas eleições”.
O movimento ‘Cansei’, lançado pela OAB de São Paulo com o respaldo de figuras importantes da Fiesp e da Associação Comercial paulista, e com a divulgação de televisões e rádios, visa aglutinar setores da classe média.
Para Mino Carta, "estamos às vésperas do retorno da Marcha da Família, com Deus e pela Liberdade”. Segundo ele, "trata-se de uma fórmula mais elaborada, mais complexa, mas os objetivos são os mesmos”. Cláudio Lembo ex-governador de São Paulo foi mais direto: "É um pequeno segmento da elite branca. O movimento deve ter começado em Campos do Jordão". A cidade paulista é a mais badalada estação da temporada de inverno do Estado.
Janio de Freitas, afirma: "o odor exalado pelo movimento ‘Cansei’, ainda que nem todos os seus fundadores tenham propósitos precisamente iguais, é típico do golpismo que sempre foi a vocação política mais à vista na riqueza, não importa se cansada ou não. A fonte de onde surge não lhe nega a natureza pressentida: um escritório de negócios em São Paulo, tal como se identificaria nos primórdios de todos os golpes e tentativas de golpe desde 1944/1945, pelo menos”.
Continua ele: “O que mais deseja a riqueza brasileira, além das condições inigualáveis que o governo Lula lhe proporcionou? O fim da inflação, o emudecimento do sindicalismo e das reivindicações sociais; concessões transgênicas para todos os tipos de grandes empresas e negócios, Bolsa farta e imposto baixinho ou a zero; e, sobretudo, a transferência gratuita de um oceano de dinheiro dos cofres públicos para os da riqueza privada, por intermédio dos juros recordistas concedidos pelo próprio governo aos títulos de sua emissão. Ainda não basta?”.
O governo irritou-se com o movimento e a reação ao ‘Cansei’ – estimulado pelo Planalto – veio da CUT que lançou o 'Cansamos' .
Ao contrário da grande imprensa nacional que se deleitou com o lançamento do ‘Cansei’, o sítio do IHU deu pouca importância ao movimento em função do seu caráter marcadamente ‘chapa branca’ associado aos interesses dos tucanos e da parte do empresariado. Até mesmo a OAB nacional percebendo o caráter ‘partidarizado’ do movimento não emprestou o seu apoio.
“O presidente Lula tem uma característica típica do povo brasileiro: ele é conservador”
O conservadorismo na política - que se traduz também na economia - é reconhecido indiretamente por Lula ao reclamar das vaias recebidas oriundas dos extratos mais abastados. A classe média e a classe média alta são ingratas, segundo o presidente, porque foram as classes que se beneficiaram enormemente em seu governo.
Frei Beto, amigo e colaborador de Lula, importante referência no debate nacional que permanece preso ao ‘círculo de giz’ - tem os seus rompantes, mas continua apoiando o governo - de que fala Werneck Vianna, reconhece: “O governo Lula optou por privilegiar alianças partidárias que, por vezes, incluíram políticos notoriamente corruptos, de práticas antagônicas aos fundamentos do PT. No calor do processo eleitoral, essas alianças não se pautaram por metas estratégicas capazes de delinear o perfil de um novo país. O balaio de votos pesou mais que a utopia de construir "um outro Brasil possível”.
“Os ricos nunca ganharam tanto como no governo do operário Lula”, afirma Fábio Konder Comparato. “Há mais de 30 anos que este país não tem projeto de nação. Antes, tinha um projeto horrível, que era o dos militares. Mas pelo menos era um projeto. Hoje, vivemos sem rumo, uma espécie de navio, ou pior, de avião, que decolou sem plano de vôo, sem transponder e sem rádio para se comunicar com os controladores de vôo”.
Para Konder Comparato, Lula é conservador. “Ele tem a cara do povo, fala como o povo e tem uma visão de mundo semelhante à do povo. E, ao contrário daquilo que nós, intelectuais, em geral acreditávamos, o presidente Lula tem uma característica típica do povo brasileiro: ele é conservador. O povo brasileiro, em todos os segmentos, é conservador. Não tem nenhuma atração pela revolta e, menos ainda, pela revolução. Fora isso, nenhum outro governante foi capaz de se desprender de todos os ‘companheiros’ que causavam problema, sem ser atingido”, destaca o jurista.
Um governo “conciliador” na política e conservador na economia
Se na política Lula não assume riscos, na economia menos ainda. O economista Reinaldo Gonçalves em entrevista especial ao sítio do IHU destaca, o que já é amplamente reconhecido, que o governo Lula mantém a mesma política econômica do segundo Governo FHC – metas de inflação, ajuste fiscal permanente, câmbio flutuante e liberalização. Entretanto, diz Reinaldo Gonçalves, “a redução das restrições externas tem possibilitado menor instabilidade macroeconômica. Esta oportunidade é usada pelo Governo Lula para reforçar o Modelo Liberal Periférico e suas políticas econômicas. Trata-se da continuidade e aprofundamento do modelo”.
Este modelo em sua opinião, “tem três conjuntos de características marcantes: liberalização, privatização e desregulação; subordinação e vulnerabilidade externa estrutural; e predominância do capital financeiro”.
Luís Nassif, comenta que “no início do ano, os grandes bancos de investimento estrangeiro fixaram metas de desempenho consideradas absurdas pelos funcionários das filiais brasileiras. Em maio, essas metas já tinham sido alcançadas. Tudo graças à política monetária do Banco Central, e ao excepcional diferencial entre as taxas de juros internacionais e as internas, levando à apreciação do câmbio”.
Se alguém não pode reclamar do governo Lula são os bancos. O lucro líquido dos dez bancos que apresentaram balanço do primeiro semestre até agora cresceu 44,5% e atingiu R$ 10,9 bilhões. Santander, Bradesco e Itaú, nunca ganharam tanto dinheiro. O Itaú bateu o arqui-rival Bradesco por cerca de R$ 9 milhões, ao registrar ganho de R$ 4,016 bilhões. O resultado, 35,8% superior ao de igual período de 2006, é o mais elevado de um banco privado no país entre os meses de janeiro e junho nos últimos 20 anos.
“Não pode ter esse modelo, pode?”
Werneck Vianna arremata: “Lula é um governo que não assume riscos. Foi eleito em 2002 com forte sentimento de mudança. Agora, se o objetivo é mudança, não pode ter esse modelo, pode? Mudança é contrariar interesses. Sob esse ponto de vista, o governo Lula fracassou. A opção foi a do equilíbrio”.
Cenas brasileiras
A dualidade da sociedade brasileira manifesta-se em cenas reais. O Brasil está entre os dez maiores mercados do consumo de luxo. Segundo Carlos Ferreirinha, ex-presidente da Louis Vuitton e diretor da MCF Consultoria, o crescimento anual do mercado de luxo no país foi de 17% em 2006 em relação a 2005 e, neste ano, deve ficar em torno de 10%, estima a MCF, alcançando faturamento de R$ 4,4 bilhões. Outra notícia dá conta que Animais domésticos são cada vez mais 'humanos' nos gastos. Algo que já se manifesta fortemente na sociedade brasileira.
Entretanto manifestação ainda mais acintosa de um país desigual é o relato de 'cenas' , citadas na mesma semana no sítio do IHU.
Cena 1 – Brasília:
Depoimento da socialite Wilma Magalhães: “Dinheiro pequeno é gastar à toa. Dinheiro grande eu gasto mesmo. Gosto de Rolex, de Mercedes-Benz, de BMW... Já comprei dois Rolex no mesmo mês. Um deles custou 6.000 dólares. Mas aí vi uma amiga com outro, com fundo de brilhante, e não resisti. Paguei 10.000 dólares por ele. Quando lançaram o jipe Cherokee, na década de 90, eu estava prestes a viajar para Arraial d'Ajuda, na Bahia. Comprei um por telefone”.
Wilma Magalhães é a principal símbolo do colunismo social de Brasília condenada a uma pena de seis anos de prisão sob a acusação de ter montado um esquema criminoso para legalizar propinas recebidas por um dos principais símbolos da corrupção nacional, o ex-deputado João Alves, um dos célebres anões do Orçamento.
Cena 2 – Rio Grande do Sul:
Revoltada com o envolvimento do filho de 13 anos em crimes, uma mulher entregou à polícia objetos furtados e pediu para que o adolescente fosse recolhido. Sem dinheiro para pegar um ônibus, a mãe caminhou com o garoto ontem à tarde, por cerca de três quilômetros, até chegar ao posto da Brigada Militar na localidade de Águas Claras, em Viamão. Nervosa, a mulher disse para a soldado Flávia Cristina Abreu que o filho havia invadido sítios da região, levando objetos para dentro de sua casa.
- Quero a ajuda de vocês. Sou pobre, mas não admito isso. É o meu filho mais velho e não quero que seja exemplo para os outros três (filhos) pequenos - afirmou a mulher para a soldado.
A mãe estava ofegante, e o filho, faminto. Surpreendida, a PM serviu café e sanduíche para o garoto, enquanto uma viatura buscava duas bicicletas, um aparelho de som, brinquedos e utensílios de cozinha na casa da mulher. A iniciativa surpreendeu a policial.
- A mulher falou que ela e o marido estão desempregados. Que falta comida, estão sem água e sem luz e vão ser despejados, porque o aluguel está atrasado. Ela poderia ter vendido os objetos e comprado comida, ou pago as contas, mas teve uma atitude digna. Em18 anos de BM, nunca vi algo assim. Está tentando cortar o mal pela raiz - lembrou Flávia.
Cena 3: Moradores desenterram carne enterrada pelo Exército
Parte de um carregamento de 76,1 toneladas de caixas de carne "sem condições de uso", segundo a Receita Federal e o Ministério da Agricultura, foi desenterrada de uma área militar e serviu de matéria-prima para churrascos de moradores de Ricardo de Albuquerque, zona norte do Rio.
As peças transportadas do porto do Rio pelo Exército para a área militar terminaram na churrasqueira dos vizinhos do CIG (Campo de Instrução de Gericinó), onde haviam sido enterradas. Apesar de a carne estar "sem condições de uso", ninguém foi atendido nos postos de saúde e no hospital da região com problemas relacionados à alimentação.
Na quinta-feira, um caminhão do Exército despejou as caixas-o peso equivale ao de 85 veículos Pálio Fire - em um buraco no campo de Gericinó a pedido da Receita Federal. Logo depois, vizinhos do terreno invadiram o local pela rua Boaçu e desenterraram as carnes. As caixas eram carregadas por famílias inteiras e até em carrinhos de mão.
TAM - O capitalismo selvagem
A TAM estampa em uma das páginas de seu site os “sete mandamentos” da empresa. O primeiro: "Nada substitui o lucro". Em segundo: "Em busca do ótimo não se faz o bom". E só em terceiro: "Mais importante que o cliente é a segurança". O relato é de Mônica Bergamo.
A jornalista destaca ainda o lobby das empresas aéreas, que pressionaram a Infraero e a Anac para reinaugurar a pista de Congonhas antes de julho. “Numa reunião em junho, a TAM pressionou o governo pelo adiamento por causa do Pan e de operações com vôos MD 11, que teriam que voar com número menor de passageiros caso a pista fosse interditada”, diz ela. A Gol, comenta, reforçou a pressão devido ao grande número de vôos extras/ charters.
Outra notícia destaca que o Airbus acidentado havia pousado outras duas vezes no mesmo dia em Congonhas. Os tripulantes da TAM por sua vez cobram da empresa uma redução da carga de trabalho. “Deixe sair o resultado dessa investigação que a gente, junto com a associação [dos tripulantes da TAM], vai encaminhar um processo à Anac exigindo mudanças nas condições de trabalho. A opinião pública está sensibilizada", dizia um comandante de Airbus-A320 a dois colegas após a reunião. Um co-piloto de Fokker-100, ao conversar com um co-piloto de Airbus-A320, relatava a situação vivida: "Quando me convocaram para um [vôo] regulamentado, eu falei com a [atendente da] escala: "Eu não vou comparecer ao vôo'". "E ela disse: "Ok, comandante. Eu vou colocar aqui um "NC" [não compareceu], e você se reporta à chefia". É muita pressão”.
Por outro lado, a Anac autorizou a TAM a reduzir sessões de treinamento dos pilotos em simulador de vôo de três modelos de Airbus - entre os quais o A320.
O aeroporto de Congonhas é uma "mina de ouro" para a TAM, Gol e Varig, donas de 91,9% do tráfego aéreo no país. Nos últimos anos, o uso intensivo de Congonhas como estratégia central das empresas multiplicou a lucratividade. No ano passado, a TAM aumentou seu lucro em 174%, para R$ 555,9 milhões. A Gol, em 62%, para R$ 684,5 milhões.
Mas mesmo o pior acidente da história da aviação brasileira e uma crise que se arrasta há dez meses não foram suficientes para transformar as duas maiores companhias aéreas do Brasil em mau investimento. A rentabilidade das companhias aéreas permanece imune à crise. O valor de mercado da TAM - ou seja, o preço de todas as ações da empresa disponíveis na Bolsa de Valores - despencou R$ 1,7 bilhão desde a queda do vôo 3054, mas logo na seqüência se recuperou. A TAM ainda se mantém, junto com a Gol, entre as seis companhias aéreas mais valiosas do mundo, superando gigantes como a americana Continental Airlines.
Revelando desdém e falta de sensibilidade com o desastre aéreo, ao mesmo tempo em que negociava valores da indenização com famílias de vítimas do acidente com o Airbus, ocorrido no dia 17 de julho no Aeroporto de Congonhas, a TAM patrocinava uma festa para donos de automóveis de luxo, em São Carlos, a 235 quilômetros de São Paulo.
O evento Fly&Drive Experience, regado a champanhe e vinhos importados, reuniu cerca de 200 convidados no Centro Tecnológico de Manutenção Preventiva da empresa. No local é feito o check up das aeronaves da TAM, entre elas os modelos da linha Airbus. Ali funciona também o Museu Asas de um Sonho, que tem a companhia como principal mantenedora. O espaço social do museu foi reservado para a recepção aos convidados. Eles chegaram a bordo de possantes Porsches, BMW e Ferraris de vários modelos, que podem custar mais de R$ 1 milhão. Muitos desses carros foram flagrados em alta velocidade pelas câmeras das concessionárias Autoban e Centrovias.
Houve quem estranhasse o clima festivo no evento da TAM. “Já pensou se os parentes das vítimas vêem isso?”, questionou um visitante que se identificou apenas como engenheiro Alberto.
O fim da operação-abafa
"Finalmente, o jogo clareou. Assim como ficaram claros os motivos de reportagens recentes deixando de culpar o governo, poupando a TAM e lançando a culpa sobre o piloto morto". O comentário é de Luís Nassif.
O economista escreve: “Foi montada enorme operação-abafa entre autoridades aeronáuticas, companhia aérea e alguns órgãos da mídia, visando transferir a responsabilidade do acidente dos ombros das autoridades e da TAM para quem não podia mais se defender. No início, a cegueira ideológica da grande mídia, jogou toda a responsabilidade no colo do governo, da pista de Congonhas, do ‘grooving’”.
Continua ele: “Quando autoridades aeronáuticas e a TAM perceberam que não conseguiriam esconder indefinidamente as causas do acidente, montou-se a conspirata". Constatou-se que o acidente ou foi causado por falha humana ou por problemas mecânicos. Se por problemas mecânicos, a responsabilidade batia direto na TAM e nos órgãos fiscalizadores. Para poupar a companhia, órgãos de imprensa, que até instantes atrás eram capazes de culpar o governo até pelas chuvas, procederam a uma mudança de rota. Aceitaram isentar as autoridades, encampando a versão de que o culpado era o piloto morto. A verdade agora vem à tona, os pilotos mortos podem dormir em paz. Mas os brasileiros dormem cada vez mais intranqüilos, com a falta de manutenção nas aeronaves e no jornalismo”.
Gol – o moderno capitalismo do século XXI?
A Gol na aplicação do capitalismo selvagem apresentado como moderno não fica atrás da TAM. Incensada como uma empresa exemplar do capitalismo do século XXI, a Gol aplica a máxima "Low-fare, low-cost" (tarifas baixas, custo baixo), como manda o manual do capitalismo da lean production . Mas não pára por aí. A Gol é considerada também modelo de gestão na área informacional e nas relações de trabalho.
A contratação de funcionários manifesta a exigência da moderna ética no trabalho. Aquela em que se pede total dedicação à empresa. "O candidato tem que se empolgar, vibrar e até chorar quando a gente passa o vídeo institucional", afirma Rosangela Manfredini, diretora de Recursos Humanos da holding Áurea, responsável pelo recrutamento de profissionais da empresa aérea Gol. [Caderno Empregos, O Estado de S.Paulo, 17-8-03].
Um passo a mais da espetacular ascensão da Gol foi a compra da Varig. Originária do setor de transporte rodoviário, o grupo Áurea - controladora da Gol - reúne mais de 30 empresas, 4 mil ônibus e fatura R$ 1 bilhão por ano rivalizando com a Itapemirim no monopólio do transporte rodoviário - uma de suas últimas aquisições foi a Caxiense (Caxias do Sul - RS). O fundador da empresa Nenê Constantino recentemente esteve envolvido em denúncias de desvios de recursos públicos ao lado do ex-senador Joaquim Roriz do Distrito Federal. Roriz favoreceu empresas de transporte de Constantino.
Outra notícia que envolve o fundador da Gol é o fato de que o mesmo se encontra na lista de donos de fazenda com trabalho escravo. Nenê Constantino se encontra no cadastro dos empregadores que exploram trabalhadores chamados de "escravos". A propriedade fica em Correntina, um município de 30 mil habitantes no extremo oeste da Bahia, a 919 km de Salvador. Os trabalhadores libertados catavam raízes para limpar o terreno. Eles ganhavam de R$ 15,00 a R$ 27,00 por alqueire catado. Havia também pagamento por dia trabalhado: de R$ 6,00 a R$ 15,00. O dono da Gol diz que não sabia das condições.
O atual presidente da Gol, o empresário Constantino de Oliveira Júnior – filho de Nenê Constantino - com apenas 38 anos, já entrou para o seleto grupo de bilionários do planeta com direito à citação na revista americana Forbes por ser o mais jovem brasileiro a possuir um patrimônio de mais de US$ 1 bilhão.
A tragédia poderia ter sido maior
“Nada substitui o lucro”. Confirmou-se a tese central de que o desastre da TAM deu-se num contexto de maximização de lucros, afirma Bernardo Kucinski. Num afirmação surpreendente e até mesmo ousada o ex-presidente da Infraero brigadeiro José Carlos Pereira, demitido por Jobim, afirmou que “esse acidente, dentro da tragédia, foi o melhor que poderia acontecer”. Segundo ele, “se [o avião] tivesse saído para a esquerda violentamente, iria entrar no terminal de passageiros, onde estavam por baixo 1.200 pessoas. Se tivesse 25 quilômetros por hora a mais, passaria por cima daquele prédio da TAM Express. Já viu o que tem ali atrás? Um prédio de apartamentos”.
Fundos de pensão e banqueiros por detrás da possível criação de uma megaoperadora
Os grupos estrangeiros Telmex, do empresário mexicano Carlos Slim, e Telefonica, da Espanha hegemonizam as telecomunicações no país, porém nos últimos dias a notícia de uma eventual fusão entre os grupos nacionais Oi e Brasil Telecom (BrT) agitou o mercado. A possível fusão entre as duas empresas poderia criar uma megaoperadora nacional e o governo não esconde o seu interesse na fusão.
O objetivo não é reestatizar o setor, mas passar a ter poder de intervenção na área. Caso a fusão se concretize a megaempresa terá 22,6 milhões de clientes, o que representa 62% de todas as linhas em operação no País. Com valor de mercado conjunto de cerca de R$ 30 bilhões, Oi e BrT atuam em 25 Estados e no Distrito Federal. Juntas, cobrem praticamente todo o Brasil.
A participação do governo se dá indiretamente porque os fundos Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobrás), Funcef (Caixa Econômica Federal) e Telos (da antiga Telebrás) controlam a Oi. O governo participa ainda do controle da Oi por meio do BNDES e das empresas Brasil Veículos e Brasilcap, do Banco do Brasil. Na origem da Oi - originalmente Tele Norte Leste, e depois Telemar – está o consórcio formado pelos grupos La Fonte, Inepar, Andrade Gutierrez e Macal, que arremataram a empresa no processo de privatização conduzida pelo governo FHC. Como o grupo não tinha dinheiro suficiente para honrar o depósito inicial que consolidaria a compra, foi socorrido às pressas, ganhando a adesão de fundos de pensão estatais (Previ, Petros e Funcef), sob a gestão do banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity.
Daniel Dantas é um nome polêmico no mercado e está envolvido em várias disputas com fundos de pensão ligados a estatais. Um dos que trombou contra Dantas, foi o ex-ministro Luiz Gushiken – que aliou-se aos dirigentes dos fundos de pensão. Foi graças ao apoio político do ex-ministro que eles conseguiram derrotar o banqueiro Dantas, na disputa pelo comando da Brasil Telecom (BrT)), um litígio iniciado há sete anos, ainda antes de Lula assumir o poder.
Agora o nome do banqueiro Daniel Dantas retorna ao noticiário, porém numa condição de eventual aliado do governo. Associado ao nome de Dantas está Afonso Bevilaqua. O ex-diretor de Política Monetária do Banco Central era tido como bastião da ortodoxia, por defender os juros altos no combate à inflação, sua postura colecionou críticos ao longo de sua atuação no BC.
Movimento sindical perdeu a noção de quem é o adversário
O setor de telecomunicações é um dos setores de ponta da nova ordem econômica internacional resultante da revolução tecnológica. Não é gratuito que reúna tantos investimentos do capital financeiro. A novidade aqui é a “aliança” entre os setores financistas e do mundo do trabalho. Como destaca o sociólogo Francisco Oliveira com a entrada do Brasil no processo de globalização assistiu-se a emergência de uma nova classe social. De um lado, os tucanos que promoveram as privatizações e ganharam prestígio e poder nas empresas privatizadas e passaram a ocupar altos postos nessas empresas. Do outro lado, os ex-sindicalistas ligados a Lula que passaram a ter funções importantes nos fundos de pensão, que são grandes investidores nessas empresas. Esses formam uma espécie de nova classe social, sugere Chico de Oliveira.
Em sua análise o sociólogo vai mais longe. Segundo ele, “é isto que eu chamo de perder a noção de quem é o adversário. Porque com esse capitalismo em que a dominância financeira determina a direção dos processos de crescimento econômico e de acumulação de capital, você tornou-se aliado do êxito do capitalismo. Imagine um dirigente sindical no conselho do FAT. Chega um projeto, pelo BNDES, para reestruturação de determinada fábrica. Essa reestruturação bota para fora, de um contingente de 5 mil trabalhadores, mil. Qual é sua escolha? É entre o projeto que vai dar uma taxa de retorno para o capital do FAT ou manter mil empregos. É um dilema real”.
Ricardo Antunes, diz algo semelhante. Segundo ele o novo capitalismo engoliu o movimento sindical: “A chamada ‘república dos sindicalistas’ deixa para trás os reais interesses do trabalho, mantendo, no entanto, os pilares herdados do sindicalismo atrelado ao Estado. Pudemos então presenciar, com a desmontagem da Previdência pública e o fortalecimento dos fundos de pensão, o reencontro simbólico, agora no mesmo palanque, de Gushiken, Berzoini e os banqueiros”.
A perda de noção de quem é o adversário de que fala Francisco de Oliveira é que o tem levado a CUT a um processo de “domesticação” segundo muitos. De um lado, “domesticação” frente ao Estado e, de outro, perda de agressividade na luta contra o capital.
Um dos exemplos emblemáticos dessa nova postura foi a posição da CUT em relação a sua participação no plebiscito popular que discute a privatização da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Inicialmente a CUT condicionou a sua participação no plebiscito desde que fosse formulada apenas uma única questão, exatamente a questão que se refere a Vale. Porém, as demais entidades reunidas anteriormente formularam 4 questões a serem inseridas na cédula do plebiscito.
A posição vacilante da CUT - posteriormente a Central deu autonomia para os Estados decidirem - está relacionada a sua dificuldade e a “perda de noção de quem é o adversário a ser combatido”. Ora o plebiscito sugere para o debate além do tema da Vale, temas como os juros gastos com o pagamento da dívida pública interna e externa e a reforma da previdência.
Retomando ainda a tese do ‘Estado Novo’ getulista, o reencontro tardio de Lula com Getúlio é também objeto de análise de Ricardo Antunes. Segundo o sociólogo, o governo Lula “prepara dois projetos que selam seu reencontro com o velho getulismo sindical. O primeiro, resultado de negociações em curso com as centrais sindicais, amplia o nefasto imposto sindical: cada uma delas vai abocanhar 10% do velho ‘imposto’ que todos os trabalhadores são obrigados a pagar, quer concordem ou não”.
Para Antunes aqui “enfeixa-se o processo de cooptação e estatização dos sindicatos: a busca da aparente ‘independência’ financeira custará a perda cabal da autonomia sindical. Sela-se o caminho da ‘servidão sindical voluntária’, iniciada por Getúlio. Porém, continua sua análise, “se isso não bastasse, o governo Lula está preparando outra medida que restringe duramente o direito de greve dos funcionários públicos”. Algo que até mesmo FHC tentou, mas não conseguiu.
DEM ‘terceiriza’ para Lula a tarefa da defesa da reforma trabalhista
O mais curioso é a aposta que o DEM (antigo PFL) faz em Lula. A executiva do DEM diante das pesquisas de opinião que mostram que as palavras "reforma trabalhista" só tiram votos e popularidade - por serem vistas como sinônimos de corte de direitos -, traçou uma estratégia alternativa. "Vamos fazer um projeto para falar e tratar da inclusão dos 48 milhões de trabalhadores que estão na informalidade e não mexer na CLT", resumiu o deputado Guilherme Campos (DEM-SP).
A tarefa de mexer na CLT, na estratégia do DEM, ficaria por conta do Lula no convencimento das centrais sindicais, da necessidade de "flexibilização da CLT". Neste ano, em maio e junho, nas reuniões do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), o presidente voltou ao assunto, usando o mesmo tom. Disse que não pretende tirar direitos, mas é preciso garantir contratos especiais para um "exército" de jovens entre 15 e 24 anos. "Ora, meu Deus do céu, longe de mim querer tirar direito de trabalhador (...). Mas não é possível que as coisas feitas em 1943 não precisem de mudanças em 2007, 2008. São 50 anos. O mundo do trabalho mudou", disse o presidente.
O DEM vai apoiar a iniciativa, mas deixa por conta do governo a defesa das propostas para acabar com a multa do FGTS e para parcelar o 13º salário e as férias.
O etanol e a Amazônia Legal: produção de álcool versus proteção do meio ambiente brasileiro
A problemática dos biocombustíveis ganhou novos e preocupantes ingredientes nas últimas semanas. Quem acreditava que as plantações de cana-de-açúcar poupassem a Amazônia Legal - que compreende Estados como Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Tocantins - e o cerrado, está enganado. Pelo contrário, tudo indica que há forte pressão no sentido de ocupar áreas dessas regiões para o plantio de cana com vistas à produção de etanol.
Quem primeiro saiu afirmando não ser isso verdade, foi o próprio presidente Lula. Ele alega que não há clima favorável para a cultura da cana nessas áreas. Também o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes teve que, reiteradas vezes, negar a existência de motivos para que a região se transformasse em plantação de cana. Afirma não ter conhecimento de nenhum projeto na região.
Mas, como a pressão internacional foi crescendo, o governo decidiu proibir em lei o plantio de cana-de-açúcar na floresta amazônica e no Pantanal. Para viabilizar isso, o governo vem trabalhando no mapa de zoneamento agrícola, que deverá estar pronto dentro de um ano. Segundo este zoneamento, o país será dividido em três regiões: onde é possível plantar cana, onde o plantio está terminantemente proibido e onde o governo pretende criar incentivos federais específicos para estimular a plantação em áreas degradadas, com pastagens.
O presidente da Unica, Marcos Jank, saiu para fazer coro ao governo. "Não somos favoráveis à entrada da cana em áreas de preservação da Amazônia. Hoje existem duas usinas na chamada Amazônia Legal, mas elas foram instaladas em áreas já degradadas, de pastagem", insiste.
Segundo Jank, existem hoje no Brasil 6 milhões de hectares com plantio de cana, o que representa 1% da área agrícola no Brasil. Em contrapartida, há 220 milhões de hectares de pastos, que podem comportar a expansão da cultura de cana-de-açúcar. Além disso, segundo ele, a expansão da cultura se dará mais por um aumento da eficiência e produtividade agrícola do que propriamente com ampliação das áreas plantadas.
No entanto, dados oficiais mostram que a cana está avançando sobre a região apesar das afirmações peremptórias do governo. Levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento - Conab -, vinculada ao Ministério da Agricultura, a safra de cana na Amazônia Legal aumentou de 17,6 milhões de toneladas para 19,3 milhões de toneladas no período 2007/2008.
Para Paulo Adário, coordenador da Amazônia do Greenpeace, "o Brasil está correndo o sério risco de virar um país dividido entre a soja e a cana". Ele acredita que o governo não tem condições de fazer valer a proibição do plantio de cana na Amazônia. Segundo Adário, "criar leis é fácil, difícil é fazê-las serem cumpridas. Como ele pretende fiscalizar? Não basta proibir, é preciso inibir o plantio. Acredito que seria bem mais eficiente se o governo fechasse a torneira dos bancos públicos e parasse de liberar financiamentos. Só assim seria possível inibir novos projetos. Além do mais, como nega a existência de cana na Amazônia, o governo não disse ainda o que pretende fazer com a cana que já está lá".
Coloca-se novamente a questão de fundo para a qual já viemos chamando a atenção em análises anteriores: o modelo de desenvolvimento brasileiro se faz às custas da destruição dos recursos naturais, portanto, contra a natureza, ou seria possível optar por um modelo de desenvolvimento que fosse capaz de conjugar desenvolvimento com proteção ambiental?
Além disso, na linha daquilo que será desenvolvido mais abaixo, quando tratarmos da América Latina e mais especificamente da campanha de Lula a favor dos biocombustíveis, o etanol brasileiro exercendo forte pressão sobre o nosso país vizinho, a Bolívia. Quando Morales brada contra o etanol, na verdade não o faz repetindo Hugo Chávez, mas anuncia uma briga com a elite econômica da Bolívia, que quer embarcar neste filão da economia.
Morales diz que seu país está se encaminhando para uma situação de desabastecimento de alimentos em razão da atuação dos comerciantes brasileiros, que compram safras bolivianas que deveriam ser vendidas no mercado interno, e do uso de terras antes cultivadas com trigo em outros países e que agora se destinam a cana e milho para biocombustíveis. Para o presidente boliviano, "o tema do biocombustível já começa a ser sentido não só na Bolívia, mas em toda a América Latina".
Informações da Embrapa tornam o drama do presidente boliviano ainda mais difícil. Estudos realizados por este órgão dão conta de que 3% do território acreano é propício à plantação de cana. Dessa maneira, não surpreende que haja, também, terras favoráveis ao plantio na Bolívia, ao lado. A Bolívia tem mais de 15 milhões de hectares cultiváveis e explora apenas 3 milhões, argumenta o gerente de promoção do Instituto Boliviano de Comércio Exterior (IBCE), Miguel Ángel Hernández Quevedo, citando o estudo da FAO e da Cepal. O IBCE, respeitado centro de estudos, vem promovendo estudos alentados em defesa do etanol na Bolívia.
Por outro lado, o etanol representa uma nova ameaça para o cerrado brasileiro. Nas últimas quatro décadas, mais da metade do cerrado foi transformada pela entrada de criadores de gado e plantadores de soja. Mais recentemente, uma nova demanda vem engolindo rapidamente a paisagem: a cana-de-açúcar, matéria-prima para o etanol. O quadro é dramático. "O desflorestamento do cerrado está acontecendo numa taxa mais alta do que o da Amazônia", afirma John Buchanan, diretor de Práticas Empresariais da ONG Conservação Internacional. "Se a taxa persistir, toda a vegetação restante no cerrado deixará de existir até 2030."
A corrida por terras brasileiras
Em deflagrada uma disputa pelo território brasileiro. "E ela só vai aumentar nos próximos anos", diz o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart. A corrida atrás de terras vem sendo feita sobretudo por pessoas físicas e empresas estrangeiras. O que acaba repercutindo diretamente na valorização das terras brasileiras.
São fundamentalmente três setores da economia que investem na compra de terras: projetos de produção de biocombustíveis, investimentos com objetivos ambientais e a produção de celulose.
a) As vendas de terras associadas aos projetos de produção de biocombustíveis é o lado mais visível. Este setor atrai fundos de pensão e multimilionários, como o megainvestidor George Soros, norte-americanos, australianos, franceses e holandeses. Há também quem compre terras para plantar milho e algodão e quem a compre simplesmente como reserva de valor, isto é, para fins de especulação.
b) Investimentos com objetivos ambientais não têm tanta visibilidade, mas acontecem. Há casos no Amazonas, mas também no Paraná. Neste Estado, as empresas American Electric Power, Chevron e General Motors, americanas, ajudaram a Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental a comprar 19 mil hectares, no litoral do Estado.
c) Quanto à compra de terras para produção de celulose destaca-se a Stora Enso, gigante sueco-finlandesa do setor de produção de papel e embalagens. A empresa adquiriu cerca de 100 mil hectares no Rio Grande do Sul para reflorestamento, leia-se, plantação de eucaliptos.
A corrida por terras brasileiras é desigual. Os brasileiros estão em desvantagem diante dos estrangeiros nos negócios fundiários. Os potenciais compradores brasileiros não dispõem de subsídios, lidam com créditos limitados e ainda enfrentam juros altíssimos. Além disso, os estrangeiros levam têm outra vantagem: eles estão enviando para a região profissionais com bom nível de conhecimento de técnicas agrícolas e comércio mundial - a maioria deles filhos de produtores tradicionais, que já passaram por cursos universitários em seus países.
Por conta do aumento desses negócios fundiários no Brasil, o Incra teme dificuldades maiores no avanço da reforma agrária. Isso porque o órgão acredita que as áreas disponíveis para a criação de assentamentos rurais tendem a ficar mais escassas e, portanto, mais caras. Outra preocupação do Incra é com os pequenos e médios produtores rurais - que ficam numa situação desvantajosa perante os detentores de dólares e euros na hora de negociar terras. Daí o fato de a autarquia estar articulando, juntamente com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, uma revisão das leis que tratam da compra de terras por estrangeiros.
América Latina em movimento
A América Latina é cenário de importantes ações e mobilizações que dizem respeito à economia, à política, à energia, à integração regional e, não por último, aos movimentos sociais. Alguns movimentos têm caráter mais conjuntural, outros, no entanto, estão definindo o futuro geoeconômico do continente.
Na perspectiva de que a região está sendo palco de políticas que implicam na “repartição da economia no mundo”, tomamos a análise – polêmica – feita pelo José Comblin, profundo conhecedor da metade sul do continente americano. Na visão de Comblin, “nos próximos anos, vai-se decidir como será a especialização em cada continente e, por conseqüência, qual é o lugar da América Latina na economia mundial, que será dirigida, ao que tudo indica, por algumas grandes superempresas mundiais. A projeção atual é que a América Latina se dedicará à agricultura, considerando-se esta a sua vocação. Isso traz conseqüências muito graves, porque mostra que não será desenvolvida uma tecnologia muito nova. Não irá existir muita investigação científica nem o desenvolvimento da indústria de produtos nobres e de coisas caras, porque os produtos agrícolas são mais baratos. Por outro lado, essa agricultura estará nas mãos de grandes companhias. Se isso for aceito, constituirá uma ameaça para toda a floresta da Amazônia, à medida que vão querer aumentar as terras cultiváveis.”
Por um lado, isso está estreitamente relacionado com a questão da cana-de-açúcar, do etanol, dos biocombustíveis, da cana que ocupa a Amazônia etc..., como já analisamos mais acima. A tese de Comblin consiste em constatar que a América Latina vai se inserindo na economia mundial especializando-se em produtos agrícolas, em commodities de baixo desenvolvimento tecnológico e, conseqüentemente, de baixo valor agregado. Neste modelo, terá prevalência o agronegócio, que estará nas mãos de grandes companhias, preocupadas na sua expansão e menos com a preservação dos recursos naturais. Para Comblin, a região não está optando pela matriz tecnológica da terceira revolução industrial, que está na raiz da informática, da biotecnologia, da nanotecnologia. Pode-se dizer mais: este modelo está orientado prioritariamente para suprir necessidades de consumo e manutenção do padrão de vida dos países do primeiro mundo.
Por outro lado, e mais importante: a tese de Comblin é que isto tem conseqüências sobre o reforço da elitização da democracia no continente. Para ele, “o sistema chamado democrático foi controlado justamente pelas oligarquias”. A realidade, então, é que, por exemplo, no caso brasileiro, a Câmara dos Deputados, passa a representar “as empresas, não o povo”. Ou seja, os pobres não se sentem representados, a democracia diz pouco ou nada. Comblin retoma aqui a tese de que os pobres da América Latina só se sentiram realmente mais cidadãos com os regimes autoritários populistas tipo Perón e Getúlio Vargas (Estado Novo, legislação trabalhista...). Comblin se move na mesma linha da tese do Werneck, apontada mais acima, isto é, de que “Lula não quis” fazer a mudança, e “ao invés de apelar para os movimentos sociais populares, aconteceu o contrário: os movimentos populares foram apagados”.
Brasil e Venezuela: disputa pela liderança política na América Latina
É justamente a questão energética que impulsiona nesta semana dois presidentes a realizar viagens-relâmpago numa disputa política pela liderança no continente. A importância que a energia vem ganhando como eixo geoestratégico da América Latina, já foi abordado na nossa última análise. Novos elementos vão se agregando e/ou reforçando a questão, tais como: as hidrelétricas do Rio Madeira, que têm impactos na Bolívia, o petróleo (Chávez, Pemex, Petrobrás), o etanol, o gás, o biocombustível, cuja tecnologia, convém ressaltar, é brasileira. Estes são temas que perpassam esta nossa análise.
A Venezuela se utiliza da questão da energia nuclear e do petróleo para alianças com o Irã, com a Bielo Rússia, a Nicarágua... Como a Venezuela, por sua vez, não possui tecnologia especialmente na área nuclear, estabelece acordos bilaterais com o Irã e a própria Rússia.
Lula, por sua vez, aposta nos biocombustíveis, isto é, em energia mais limpa, renovável e menos poluidora.
Chávez começou pela Argentina, um périplo em que procura refazer sua imagem arranhada pelos acontecimentos que envolvem a pressão que fez sobre os Congressos brasileiro e paraguaio no sentido de que apressassem a aprovação do ingresso da Venezuela ao Mercosul. Outro fator foi a falta de interesse que encontrou o seu projeto de construção do Gasoduto do Sul, que, saindo da Venezuela, levaria gás para o Brasil, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Argentina e Equador. O Gasoduto teria 8 mil quilômetros de extensão, cujo projeto foi estimado em 20 bilhões de dólares. O estado de ponto-morto em que se encontra o projeto significa uma derrota política para Chávez na América Latina, razão pela qual pretende, agora, reforçar posições.
Nesta semana desembarcou na Argentina, numa visita que não teve os alardes de outras que o mandatário já fez àquele país, em grande parte devido à coincidência de se encontrarem na Argentina representantes do empresariado norte-americano que desejam ouvir a primeira-dama e senadora Cristina Kirchner, candidata favorita às eleições presidenciais argentinas. A outra, é a preocupação com a eleição presidencial. Chávez é sentido pelo governo argentino, e outros, como um incômodo. Por um lado é um parceiro econômico interessante, mas sua presença às vezes pode significar desvantagens.
Chávez comprou nova parcela (US$ 1 bilhão) de títulos da dívida pública argentina, fato que o consolida como o principal salva-vidas financeiro do país. Com a nova compra, a Venezuela já adquiriu, nos últimos dois anos, US$ 5,2 bilhões desses títulos.
A posição da Venezuela como a maior compradora dos bônus argentinos confere ao governo Chávez uma influência de peso na administração Kirchner, o que foi possível sentir no entrevero entre o venezuelano e o Senado brasileiro, quando tentou colocar panos quentes no conflito entre Brasil e Venezuela.
Na agenda estão também temas ligados à energia. Na Argentina, está previsto um acordo para a construção de uma planta regasificadora. Na Bolívia inaugurará junto ao seu colega Evo Morales, as obras de construção de uma planta termoelétrica e subscreverá um acordo entre a PDVSA venezuelana e a YPFB boliviana para a exploração de petróleo em La Paz.
Viagem de Lula à América Central
Enquanto Chávez foi ao sul, Lula foi para o norte do continente. Levou na bagagem os biocombustíveis. Começou nesta segunda-feira sua viagem ao México, mas que inclui também Honduras, Nicarágua, Panamá e Jamaica. O comércio com esses países da América Central, mal chega a 1%, ou seja, uma soma irrisória. Mas, onde estaria o interesse do Brasil nesta região? As oportunidades para os empresários brasileiros estariam precisamente na proximidade destes países com os Estados Unidos, grande mercado para o etanol brasileiro. O interesse é usar a América Central como plataforma de exportação de álcool para os EUA; os países detêm acordo de livre comércio com os americanos e não têm limites para exportação de álcool.
A situação com o México já é diferente. O México é o segundo maior mercado da região, depois do Brasil. O México dá sinais de que está disposto a pender mais para o sul, do que para o norte. Em 1994, o México assinou sua entrada no NAFTA, tratado de livre comércio com os Estados Unidos e o Canadá. O México e sobretudo a elite mexicana, estavam ofuscados pelas vantagens que o Norte poderia oferecer. O resultado para os trabalhadores mexicanos foi desastroso. A superexploração do trabalho no país faz com que seis de cada dez trabalhadores estejam em condições de precariedade. A situação complicada em que o México se colocou com a entrada no NAFTA, aliada ao descaso dos últimos governos, coloca os trabalhadores diante de uma situação muito complicada: “Apesar das condições de precariedade no mercado de trabalho, os trabalhadores não tem outra opção a não ser aceitar os empregos sem direitos porque falta trabalho digno no país. Ou os trabalhadores aceitam esse trabalho em condição de superexploração ou morrem de fome no desemprego total”, destaca a Frente Sindical Mexicana.
Mas, os encantos proporcionados pelo canto de sereia do acordo de livre comércio, duraram pouco. Com os acontecimentos terroristas de 2001, o governo norte-americano deu as costas ao México, o que inclui também um endurecimento e um retrocesso na questão das migrações. A decisão de olhar para o sul se dá também em vista de melhorar sua imagem de satélite dos Estados Unidos. Na verdade, o México está de olho no Mercosul. "Estamos numa posição geográfica que se situa no norte, mas posso assegurar que nosso coração está claramente no sul e na América Latina", afirmou Felipe Calderón.
Um dos principais objetivos da visita de Lula ao México, a aproximação entre a Petrobras e a estatal mexicana Pemex está contemplada em um memorando de cooperação em energia nesta semana entre os dois países. Na prática, o acordo prevê no máximo troca de tecnologia entre estatais - algo longe das ambições de Lula manifestadas no país. A Pemex tem interesse em explorar águas profundas do Golfo do México, tecnologia que a Petrobras detém. Já o Brasil tem interesse na tecnologia mexicana de exploração em reservatórios de carbonato. O grande empecilho para um entrosamento maior das duas empresas é a legislação mexicana, que garante monopólio à Pemex. Calderón é simpático à idéia de flexibilização deste monopólio, mas enfrenta resistências políticas. “Não queremos que se utilize o Brasil e sua empresa Petrobras como ponta de lança para a privatização de Petróleos Mexicanos – Pemex”, advertiu Andrés Manuel López Obrador, adversário de Calderón nas últimas eleições presidenciais mexicanas e atualmente líder da frente de oposição AMLO, e que se auto-intitula de “presidente legítimo”.
Lula, como o fez Kirchner anteriormente, tenta aproximar o México do Mercosul, no momento em que Calderón pretende relançar a presença mexicana na América Latina. Segundo Erik Fernández, pesquisador da Universidade Iberoamericana, os presidentes argentino, brasileiro e mexicano, favorecem ações multilaterais, em contraposição ao unilateralismo impulsionado por Chávez graças ao “poder do dinheiro” que lhe dá o petróleo.
Apesar de certo otimismo resultante da visita de Lula ao México, o resultado efetivo parece ficar longe do pretendido. Para analistas brasileiros, Lula deixa o México sem acordos concretos.
Lula ganha aliados para biocombustíveis
Mas, Lula, no papel de apóstolo dos biocombustíveis, vai ganhando adeptos e parceiros não apenas na América Central. Lula recebe o apoio de organismos internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a FAO, organização para a agricultura e a alimentação das Nações Unidas. Vale destacar que Lula encontrou em José Graziano, ex-braço direito no seu primeiro mandato como Presidente, agora na FAO, um aliado e um bom conselheiro.
A FAO afirma, contra o senso comum, que não foram esgotadas as áreas agricultáveis, o que permite uma expansão do cultivo de vegetais destinados à produção de biocombustíveis, sem necessidade de redução da produção de alimentos, ou de invasão da mata virgem (tese contestada por outros, como se poderá ver mais adiante nesta análise) - e o Brasil, aponta a FAO, está em situação privilegiada nesse aspecto.
A Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) dedicou um relatório à análise dos riscos e vantagens dos biocombustíveis. Aponta para os riscos e perigos de um crescimento excessivo e demasiadamente rápido do cultivo de culturas destinadas a substituir os derivados de petróleo. No entanto, o estudo é favorável às causas defendidas por Lula, na condição de o governo brasileiro não tratar o tema com a mesma inapetência gerencial que o deixou refém do caos aéreo.
Biocombustíveis: solução ou parte do problema?
A análise sobre os biocombustíveis não pode ser isolada do modelo de desenvolvimento que se pretende no Brasil, na América Latina e no mundo. Uma análise mais realista parte do pressuposto de que “o atual modelo de desenvolvimento global é insustentável”, sustenta Fernando Almeida. Almeida é engenheiro, presidente-executivo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável e professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autor do livro Os desafios da sustentabilidade. Uma ruptura urgente (São Paulo: Campus/Elsevier, 2007), em que aborda o dilema que passamos todos em relação à sustentabilidade do país, ao estados dos serviços ambientais, à relação entre o social e o ambiental. Segundo Almeida, o atual modelo de desenvolvimento “está provocando a falência dos serviços ambientais e o esgarçamento do tecido social, com o aumento da pobreza, da violência, do terrorismo”. Para ele, se faz necessário uma ruptura radical com este modelo de desenvolvimento: “Temos de entender que a ruptura está nos relacionamentos, no modo de operar, de pensar, nos modelos de negócios, e não apenas em uma revolução tecnológica. Precisamos aceitar que os recursos naturais precisam ser perenizados, porque a falência dos ecossistemas planetários é a falência dos negócios”. Lembra que a ética não se opõe a “ganho econômico”.
“O desenvolvimento sustentável preconiza uma relação integrada e articulada entre as dimensões econômica, social e ambiental. Contudo, não podemos ser ingênuos de achar que uma atividade econômica não vá causar impactos no meio ambiente”, pondera Fernando Almeida.
Para Jeremy Rifkin, a questão energética não pode ser reduzida aos biocombustíveis. Ou seja, os biocombustíveis fazem parte da solução do problema, mas não são a solução do problema. “Os biocombustíveis fazem parte do pacote das fontes renováveis: elas são utilizadas conjuntamente no sol, no vento, na energia das ondas e dos mares, na geotermia e na força da água”, lembra.
Para o defensor de energias alternativas mais limpas, a questão energética e ambiental passa por uma mudança nos hábitos alimentares, fortemente centrados na dieta rica em consumo de carne. Ele recorda um relatório da FAO que aponta que o consumo de carne é o segundo maior fator de risco para a estabilidade do clima, perdendo apenas para o setor das construções (casas e escritórios), mas à frente dos transportes. Uma mudança na dieta alimentar traria três vantagens: “Primeira: ganhamos espaço para a reconversão energética da agricultura. Segundo: cortamos fora uma bela fatia de poluição. Terceiro: damos uma contribuição para a melhoria do estado de saúde coletiva”.
“As mudanças climáticas”, diz Rifkin, “impõem uma racionalização das nossas atividades”, para dizer que “não podemos continuar destinando um terço da produção mundial de cereais à pecuária”.
A questão energética está também entre as preocupações da indiana Vandana Shiva. Para ela, “a agricultura industrializada, praticada sem nenhum respeito pelas peculiaridades locais, consome dez vezes mais energia do que produz sob forma de alimento. Fertilizantes, máquinas agrícolas, sistemas de transporte dos produtos são fontes maciças de contaminação e de emissão de gás estufa. O fato de a agricultura industrializada utilizar sobretudo combustíveis fósseis só faz, portanto, piorar a situação. Os métodos de cultivo biológicos permitiriam reduzir em 60% o anidrido de carbono emitido na atmosfera”.
Ela acredita que é preciso “retomar os alimentos esquecidos”, pois são “espécies vegetais que conseguem sobreviver em quantidades reduzidas de água e fornecem ao homem muito mais energia do que os cereais estandardizados que nos são distribuídos em ampla escala”. Ao pensar assim está pensando justamente nos camponeses mais pobres “que não conseguem enfrentar a concorrência das multinacionais”. Aliás, o longo, mas interessantíssimo artigo de Walden Bello exatamente a luta dos camponeses contra os paradigmas modernos obsoletos de agricultura.
A entrevista de Shiva, mas também o artigo de Walden Bello, têm a vantagem de trazer para o debate outra questão importante, a saber: a tensão entre o moderno e o tradicional, ou ainda, a ideologia de que a tecnologia moderna é sempre melhor que os instrumentos tradicionais. “Os órgãos geneticamente modificados”, diz Shiva, “representam a solução tecnológica mais avançada, mas quantos danos estamos criando à biodiversidade, à nossa alimentação e ao ambiente em seu todo?”, pergunta. Uma visão diferente das tecnologias é encontrada na entrevista especial de Geraldo Sant’Ana Camargo Barros, por exemplo. “Às vezes, os instrumentos tradicionais continuam sendo os melhores”, acredita Shiva.
Shiva acredita que em vez de se falar de “carbon free”, seja mais correto falar em “economia do carbono vital”, “que aponte para a redução dos combustíveis fósseis e para o respeito do ciclo natural deste elemento”, posto que “nenhum ambiente natural poderá jamais ser totalmente “carbon free”.
Na linha de mostrar a insustentabilidade do atual modelo econômico, Washington Novaes traz dados estarrecedores sobre o esgotamento das reservas conhecidas de vários dos minérios mais utilizados no mundo, inclusive em setores estratégicos, o que poderá ter conseqüências ainda imprevisíveis. Analisando a conjuntura nacional desafia: “Depois dos projetos de transposição de águas do Rio São Francisco e de mega-hidrelétricas na Amazônia, começam a surgir notícias de qual será o novo front de lutas para viabilizar projetos que contribuam para o modelo de crescimento econômico a qualquer custo, descuidado de outras possibilidades e de limites ambientais, sociais e mesmo da disponibilidade de recursos e serviços naturais. É o setor mineral, com o projeto de lei que o governo federal, segundo os jornais, enviará ao Congresso, para liberar a exploração de minérios em áreas indígenas”. E traz dados divulgados pela imprensa brasileira: “O Instituto Brasileiro de Mineração prevê (O Globo, 24/6) investimentos de US$ 28 bilhões até 2011, se novas áreas forem liberadas para 4.821 pedidos de pesquisa e lavra já feitos por empresas, principalmente as gigantes dos setores da mineração e da construção. Nesses números se incluem os projetos de 317 empresas para 123 áreas indígenas, segundo o Instituto SocioAmbiental.”
E alerta, mais uma vez, para aquilo que ele acredita ser a grande encruzilhada em que o Brasil se encontra: “É mais uma área em que deveríamos estar atentos à velha questão tantas vezes já comentada aqui: senhor de apreciável parcela do fator escasso no mundo - recursos naturais, que já estamos consumindo no mundo além da capacidade de reposição do planeta -, o Brasil deveria construir uma estratégia de valorização desses recursos, em lugar de simplesmente se empenhar em aumentar suas exportações”.
México
Ao mesmo tempo em que se percebe uma tentativa de o México se voltar mais para a América Latina, com quem tem afinidades culturais e históricas muitos maiores, internamente há uma intensa movimentação por parte dos movimentos sociais que apontam para a insensibilidade do governo federal e estaduais darem respostas às necessidades sentidas pelas populações mais carentes. Destacamos nesta análise, particularmente três movimentos sociais fortes, que aglutinam desde professores, estudantes, indígenas, agricultores, ambientalistas, em torno de demandas variadas.
a) Oaxaca - a experiência cultural contra a repressão. Em junho, completou um ano desde que se iniciaram as grandes lutas de rebelião de Oaxaca, aglutinadas em torno da APPO (Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca). Uma greve de professores tinha tudo para ser mais um capítulo de uma história mal-sucedida, fracassada e logo relegada ao esquecimento. No entanto, foi o germe de um movimento social importante, mas também duro quanto à repressão sofrida.
Uma greve de professores por aumento dos salários foi motivo de repressão por parte do antipopular governador Ulises Ruiz Ortiz, o famigerado URO, cuja renúncia se pedia nas ruas. Logo foram se somando a ela estudantes e o povo do Estado. Na rebelião de Oaxaca, três momentos foram determinantes, conforme destaca o jornalista Pedro Carrano: 1) O primeiro deles foi a tomada do canal estatal de televisão, que aconteceu durante a Marcha das Mulheres, inspirada nas mulheres chilenas contra a ditadura de Pinochet; 2) A fim de proteger as antenas de transmissão das estações de rádio, fez-se necessário organizar barricadas, que foram o símbolo do movimento. Elas geraram, segundo Pedro Carrano, “uma cultura de resistência à cultura oficial”. No espaço das barricads, “pequenas assembléias populares eram colocadas em prática”; 3) Neste momento, “como a polícia da capital estava aquartelada, a APPO tomou a responsabilidade pela segurança da cidade. Cada pessoa se tornou um sistema de inteligência contra os grupos paramilitares, bastava para isso um celular em mãos e um pouco de crédito para enviar mensagens”, destaca Carrano.
“O movimento contou com elementos culturais próprios, vindos da multidão, em uma resistência que, vinculada à luta política, não foi absorvida pela indústria cultural. As músicas do estilo chamado corrido, as frases espalhadas nos muros da cidade, as faixas e cartazes irônicos exibidos nas megamarchas do movimento, eram manifestações populares e criativas, surgidas com a própria transitoriedade das barricadas, como manifestação de resistência à cultura oficial”, conta Carrano. “Em Oaxaca, a luta política era uma resistência cultural, e a cultura surgia na velocidade da luta política”, conclui.
A grande contribuição da rebelião de Oaxaca, avalia Pedro Carrano, foi o exercício político: “O movimento em Oaxaca não alcançou uma mudança na base econômica da sociedade (sequer atingiu ainda a derrubada de URO), mas foi um exercício de politização para os oaxaquenhos, abrindo janelas permanentes de resistência, cultural e política”, arrisca Pedro Carrano.
Mas, pelo lado da repressão contra lutadores sociais, a questão é mais séria. Em julho passado, uma nova onda de violência se abateu sobre manifestantes da APPO. O saldo foi mais de quarenta pessoas feridas – de ambos os lados – e a prisão de 60 manifestantes. Uma das razões alegadas pela perseguição do governo de URO contra os membros do movimento seria o envolvimento da APPO com o grupo guerrilheiro Exército Popular Revolucionário (EPR), o que nunca se comprovou e parece mesmo impossível. Assim que, as organizações sociais temem uma nova escalada de terror em Oaxaca.
A situação de violação dos direitos humanos no México é tão grave que já se transformou em preocupação da Anistia Internacional que, na semana, esteve visitando o México. Atenco, mas também Oaxaca, estavam na lista. A impunidade, sublinhou Liliana Velázquez, presidenta de AI secção México, “é um tema pendente e precisa começar a ser enfrentado”, porque caso contrário diz ela, casos como os de Atenco, onde dezenas de mulheres foram ultrajadas por policiais, ou como Oaxaca, onde houve violações dos direitos humanos com detenções ilegais continuarão existindo.
No entendimento do escritor Carlos Montemayor, a solução de conflitos sociais como o de Oaxaca não se faz mediante a repressão policial e militar contra líderes e membros de organizações, mas com uma política de diálogo e atenção às suas reivindicações, e é isso que está faltando ao governo. A ausência dessa política significa “jogar gasolina no fogo”, diz.
A guerra suja impetrada pelo governo implica no desaparecimento forçado, tortura e assassinato de lutadores sociais, motivo pelo qual aconteceu o atentado do EPR contra os dutos da Pemex em Querétaro e Gauanajuato no princípio desse mês, os quais, considerou o escritor, irão continuar se o governo não apresentar os dois companheiros desaparecidos reclamados por essa organização.
A perseguição se manifesta nas ordens de prisão que não foram decididas por juízes. A raiz do conflito social, justifica Montemayor, está na falta de prioridade às demandas sociais, isto é, na ignorância ou na surdez diante das reivindicações sociais. “Acredito que a solução está em respostas sociais” e não em mais repressão através da intervenção policial e militar.
b) Campanha ‘Sem milho não há país’. A destinação de milho para a produção de etanol foi responsável por fantástico aumento no preço das tortilhas, item essencial da alimentação popular mexicana, o que afeta diretamente os mais pobres. Ao mesmo tempo, o México está sendo acossado por grandes empresas responsáveis pela produção e difusão dos alimentos geneticamente modificados, como é o caso da Monsanto, o que acarreta a perda da soberania alimentar. Para chamar a atenção sobre estas questões, ativistas, ambientalistas e agricultores daquele país estão se mobilizando através da Campanha ‘Sem milho não há país’ para chamar a atenção para a problemática dos alimentos geneticamente modificados.
A campanha começou em junho passado e prossegue até 2008. A intenção da campanha é dar visibilidade ao pedido dos camponeses, da comunidades indígenas e dos moradores rurais mais pobres e marginalizados por uma agricultura e um comércio justo e uma alimentação saudável.
Para Aleira Lara, coordenadora da campanha Agricultura Sustentável/Transgênico, do Greenpeace, as grandes multinacionais das sementes, como a Monsanto, “já não tentam mais nos roubar terras, porque agora a estratégia é muito mais atroz, tentam nos roubar nosso alimento básico, nossa cultura e nossa soberania como país”. Entre as atividades a serem realizadas estão uma grande marcha nacional em outubro com feiras camponesas e um grande concerto, entre muitas outras atividades mais locais.
c) Movimento Zapatista e a educação. O Movimento Zapatista, surgido no dia 1º de janeiro de 1994, enquanto México, Estados Unidos e Canadá assinavam o Nafta, como oposição à submissão do México, continua sua caminhada a passos lentos e nem sempre muito ruidosos, mas decididos. O jornalista mexicano Hermann Bellinghausen esteve no município de Ocosingo onde participou da plenária sobre o tema da educação. E resgata alguns depoimentos no encontro. Saulo, da Junta do Bom Governo desse caracol reconhece: “impulsionar e zelar pela autonomia é um pouco difícil. Isso já sabem todos os companheiros que participam dela. Nos falta muito. Por exemplo, estudar. A educação nunca tem um fim, se faz sempre”.
Criticam a atitude desinteressada do governo, mais preocupado em enviar à região soldados que professores. Abraham diz: “em vez de professores, o governo mandou soldados para maltratar as crianças. Por isso desde 1994 ficamos sem aulas. Mas o povo não quis esperar mais e buscou a educação por si mesmo”.
E disse: “queremos uma educação que fortaleça as nossas culturas e a nossa língua, o coletivismo, o companheirismo. Que responda às necessidades dos povos. Que defenda a dignidade de homens e mulheres. Que seja uma maneira de trabalhar a nossa vida e da mãe natureza”.
Hoje, na região, cada comunidade zapatista tem agora uma escola funcionando e todas qualificam crianças e professores. Em cada município há também uma escola técnica.
Chávez e a Igreja Católica – embate mais duro até agora
Pelo lado interno, Chávez está se confrontando com a hierarquia da Igreja venezuelana. Tanto assim que as já tumultuadas relações entre a Igreja Católica e o presidente Hugo Chávez, atravessam um dos piores momentos. Um documento da Conferência Episcopal Venezuelana (CEV), o mais duro até agora lançado, serviu de gasolina para a fogueira. O documento aprovado no começo do mês de julho pela 88ª Assembléia de Bispos e Arcebispos da Venezuela, classifica o governo Chávez de “populista” e critica pontos como a política econômica, a reforma educacional, a corrupção, a não-renovação da concessão do canal RCTV e até o lema “pátria, socialismo ou morte”.
Opiniões de bispos reforçam a posição contrária a Chávez. O cardeal Rosalío José Castillo Lara, disse que Chávez é “um ditador paranóico” “Ele se fixou que é o libertador da América Latina das mãos dos EUA, do Império como ele afirma”, disse. Já o arcebispo de Mérida, Baltazar Porras, vice-presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), atacou o sectarismo e o espírito anti-democrático de Chávez: "Vivemos um clima de angústia. No governo há linguagem da desqualificação, do insulto e do ódio. Tenho certeza de que estamos retrocedendo em pontos-chave da democracia".
Chávez, por sua vez, não deixou por menos. A resposta veio em igual tom. "Lamento muito isso, que ataquem com mentiras, isso é um pecado. Eu me nego a pensar que os bispos e cardeais, que cursaram muitos anos de estudo, não saibam o que dizem", disse Chávez. Dias depois, referindo-se à hierarquia da Igreja Católica, chamou-a de “fariseus hipócritas”.
Em outra ocasião ainda, Chávez acusou a Igreja Católica de, no passado, ter “abençoado genocídios” e “ditaduras terríveis”. Referindo-se aos seus programas sociais, disse: “Dificilmente nos últimos 100 anos houve um governo mais próximo da opção pelos pobres do que o governo de hoje na Venezuela”.
Para o padre jesuíta Jesús María Aguirre, o último documento do CEV é “o texto que marca mais distância", afirmou. "Desde o ponto de vista ideológico e conceitual, é o mais frontal." Ele acredita que a estratégia do CEV seja equivocada, pois tende a afastar a cúpula da igreja das camadas mais pobres da população, amplamente favoráveis a Chávez. "Vejo um grande inconveniente em que os sacerdotes entrem numa confrontação pública direta. Essa posição beligerante simplesmente política rompe relações com o movimento popular", disse o professor de comunicação da Universidade Católica Andrés Bello.
Argentina
A crise energética argentina vem se arrastando desde maio e tem repercussões econômicas importantes, como já apontamos na análise anterior. Estima-se que a queda da produção industrial de junho foi de 0,1% em relação ao mês anterior, esteja estreitamente relacionada à crise energética, ainda que o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) e o próprio governo atribuam tal queda a fatores climáticos atípicos e conflitos sindicais. Além disso, documentos de circulação reservada do Ministério da Economia dão conta de que a crise de energia já teria custado US$ 4 bilhões aos cofres do Estado. A Argentina teria gasto US$ 700 milhões para comprar diesel da Venezuela, gás da Bolívia e energia elétrica do Brasil, Uruguai e Paraguai.
Líderes da oposição e empresários criticam o governo por não ter tomado medidas concretas para impedir a crise, anunciada desde 2004. O governo faz de tudo para negar a crise, pois essa poderia prejudicar a imagem do governo, que está de olho nas eleições presidenciais de outubro próximo.
A primeira-dama e senadora Cristina Kirchner, é a favorita às eleições presidenciais. Possivelmente ganhe já no primeiro turno, não tanto por seus méritos, mas pela fraqueza e descrédito de seus opositores. Competem com Cristina: Roberto Lavagna, economista e ex-ministro da Economia argentino, que ocupou o cargo do começo de 2002 até novembro de 2005, liderou a recuperação econômica argentina após a pior crise de sua história. Deixou o cargo devido a um forte enfrentamento com o presidente Néstor Kirchner; Elisa Carrió, advogada e política argentina. Fundadora do partido de centro-esquerda “Afirmação para uma República Igualitária” (ARI), Carrió concorreu à presidência da república em 2003, ficando em quinto lugar. Elegeu-se deputada pela Capital Federal argentina nas eleições legislativas de 2005, e Ricardo López Murphy, economista e político argentino. Líder do partido “Recrear para o Crescimento”, fundado por ele em 2002 ao deixar a União Cívica Radical, é licenciado em economia pela Universidade Nacional de la Plata e, posteriormente, cursou o mestrado em economia da Universidade de Chicago. Foi ministro da Defesa e da Economia durante o governo de Fernando de la Rúa. Em 2003, foi candidato nas eleições presidenciais, ficando em terceiro lugar com 18% dos votos.
Para Eduardo de la Serna, teólogo argentino, “Lavagna não tem carisma, enquanto Carrió perdeu todo o poder político e, com isso, uma certa credibilidade que tinha acumulado. Por sua vez, Lopez Murphy não existe nem para a esquerda”. Este quadro confirma a tese do jornalista argentino Washington Uranga. Segundo ele, “neste momento não há partidos na Argentina. Os partidos políticos tradicionais da Argentina – Partido Justicialista (PJ) e União Cívica Radical (UCR) – não existem, pois estão absolutamente desmembrados”.
Cristina Kirchner está com cerca de 50% da intenção dos votos, enquanto Lavagna a segue de longe em segundo lugar, com apenas 10% da intenção dos votos. Julio Cobos, governador de Mendoza deve ser o candidato a vice na chapa de Cristina. Na análise de Uranga, “Cristina Kirchner vai fazer uma etapa mais institucional. O que Néstor diz é que Cristina vai aprofundar as mudanças que, nesta etapa, não puderam ser feitas em função do fim da crise. Se será assim ou não, não sei. Ao que tudo indica, na campanha, o presidente vai falar e Cristina vai sorrir. Ela fez toda a campanha ao senado pela província de Buenos Aires quase sem falar e suponho que vai continuar dessa forma. E nem necessita falar”, dada a sua posição nas pesquisas.
No discurso de lançamento de sua candidatura, em 19 de julho, Cristina Kirchner tomou o Brasil como modelo de desenvolvimento: “Olhem só o desenvolvimento do Brasil, que tem uma empresa como a Embraer, que exporta aviões para os EUA!”, exclamou Cristina no discurso pronunciado no Teatro Argentina da cidade de La Plata, na Província de Buenos Aires. Ela ressaltou que o modelo econômico deve ter “claro perfil industrialista” e apontou o Brasil e a Espanha como exemplos de desenvolvimento de uma “burguesia nacional”.
Para a historiadora María Sáenz Quesada, a decisão de Kirchner de apresentar sua mulher como candidata à presidência é uma demonstração de peronismo explícito: “Colocar a mulher do presidente como a melhor candidata à sucessão é uma característica do modo de condução do peronismo. É um cesarismo populista.”
Ainda sobre a Argentina, remetemos os leitores/as às boas análises realizadas por Washington Uranga e Eduardo de la Serna, que discorrem sobre a atuação do governo de Néstor Kirchner, a relação entre Igreja e Estado, as tentativas de reconciliação com o passado e a Teologia da Libertação naquele país.
Vaticano modifica documento de Aparecida
De 13 a 31 de maio passado, aconteceu em Aparecida do Norte, a 5ª Conferência do Episcopado da América Latina e do Caribe (Celam), cujas reflexões e resoluções resultaram num texto de cerca de 120 páginas. Como de praxe, o documento é enviado a Roma para ser receber a aprovação final. Havia o temor de que o texto pudesse ser alterado profundamente em seu conteúdo, temor que mostrou justificado. “Não se trata somente de mudanças no documento mas uma mudança do documento”, constatam representantes latino-americanos das Comunidades Eclesiais de Base, reunidos em Santo Domingo, no dia 28-07-2007, em carta dirigida aos bispos da América Latina e do Caribe.
“Isto nos faz perceber que se coloca em questão o Magistério colegiado dos Bispos da América Latina e do Caribe. Preocupa-nos que as orientações do Concílio Vaticano II, que acolhemos como palavra do Magistério para a Igreja Universal, tenham sido vulneradas, afetando a subsidiariedade das Igrejas locais”, destaca a carta.
O padre católico argentino Eduardo de la Serna, que participou da Conferência, dá alguns detalhes daquilo que ele chama de “diferenças pitorescas” encontradas entre o texto final e a devolução de Roma. “A quarta redação tinha 250 notas de rodapé. O novo documento tem 281. Acrescentaram até notas! Eu não veria nenhum problema se o Vaticano dissesse que esta ou aquela idéia são heresias. Se realmente o são, vamos nos retratar. Uma dessas notas é sobre as Comunidades Eclesiais de Base. Num primeiro momento, já existia a intenção de se retirar a nota, até que ela desapareceu na terceira redação do documento. Agora, tiveram que recolocá-la, pois as Comunidades Eclesiais de Base são uma realidade viva na nossa Igreja. Realmente, o documento enviado mostra os clássicos temores sobre temas como ecologia, diálogo inter-religioso, bioética, mulher etc.
De la Serna, contudo vai mais longe na sua análise do Documento, afirmando ser “um documento típico da Igreja do temor”: “temos uma hierarquia eclesiástica extremamente temerosa, para usar uma palavra até nobre, a ponto de aceitar que o Papa escolha até o local da reunião. Também me parece patético que os bispos mandem o documento para que Roma o aprove. São bispos que estão em comunhão com Roma, ou seja, não se trata de um grupo que está fora da Igreja e pede permissão para entrar. Essas questões são um sinal de mediocridade. Muito temor, sobretudo gerado pela preocupante papolatria de João Paulo II”.
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