quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Conjuntura da Semana. Uma leitura das 'Notícias do Dia' do IHU de 06 a 13 de agosto de

A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas, diariamente, no sítio do IHU e na revista semanal IHU On-Line. A presente análise toma como referência as "Notícias" publicadas de 06 a 23 de agosto de 2007. A análise é elaborada, em fina sintonia com o IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT - com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

Eis a análise.

Gramsci e a esquerda

Há 70 anos morria Gramsci. Na solidão do cárcere, e num processo de progressivo enfraquecimento físico, escreveu uma das mais significativas produções teóricas da esquerda mundial. Conceitos como “hegemonia”, “direção intelectual e moral da sociedade”, “sociedade civil – sociedade política”, “bloco histórico”, “guerra de posição” e “guerra de movimento”, entre outros, se inscreveram na literatura socialista do século XX a partir das reflexões de Gramsci.

Repercutindo a obra e o pensamento de Gramsci, a revista semanal IHU On-Line - n. 231, 13-08-2007, publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos (IHU) - apresenta uma série de entrevistas com especialistas sobre o pensamento desse militante e cientista político.

Revisitar Gramsci pode ser oportuno para uma esquerda em crise. Crise não apenas manifesta na esquerda que capitulou frente ao ideário neoliberal, mas àquela que também professa certezas do caminho a trilhar. Gramsci foi um militante e intelectual do seu tempo, marxista resoluto, porém ousado e inovador na reflexão teórica.

Como lembra o sociólogo Luiz Alberto Gómez de Souza, Gramsci travou o debate para além da economia e da política, interessou-se pelos problemas da cultura e foi por aí que renovou o conceito de hegemonia que vinha de Lênin alongando-o para o conjunto das organizações da assim chamada sociedade. Segundo Luiz Alberto, em Gramsci há uma importante distinção entre sociedade civil e sociedade política. “Há que fortalecer a primeira (guerra de posições) para que a chegada ao governo seja realmente a chegada ao poder político”, destaca o sociólogo.

O mesmo diz o cientista político Werneck Vianna para quem Gramsci “pensou, sobretudo, sobre como se fazia a política e esta se instalava na sociedade civil”. “A meu ver – diz Werneck - essa foi a grande perspectiva nova que ele trouxe à cena contemporânea. Ele percebeu a escola e a família como lugar da política, além das principais instituições, como agências da sociedade civil e lugares onde a disputa por valores se instala”.

Nesse sentido, diz Werneck Vianna, “para Gramsci não bastava para a mudança social a conquista do poder político, do vértice do poder do Estado. Era necessário, sobretudo, que isso, se viesse a ocorrer, ocorresse depois que as principais mudanças já tivessem sido experimentadas, vivenciadas pela sociedade civil. Daí que o conceito de hegemonia, para ele, é chave. Hegemonia como um lugar de disputa de valores, de formação de consenso”.

Um consenso que se constrói pelo convencimento. Segundo o filósofo Gildo Marçal Brandão, outro entrevistado pelo IHU, Gramsci “acreditava que não bastava vencer, era necessário convencer”. Ainda na opinião de Gildo Marçal, Gramsci acreditava que “era possível que um grupo político, mesmo sem estar no poder, se transformasse numa classe dirigente da sociedade, desde que soubesse transformar os seus interesses em interesses universais desta sociedade”.

Esse conceito de hegemonia é ousado para a sua época, se opõe e vai na contra-mão da literatura marxista-leninista da época em que a simples tomada do poder é suficiente para a partir daí operar as mudanças necessárias.

Algo semelhante afirma o historiador Lincoln Secco também entrevistado na revista, ao afirmar que o conceito de sociedade civil em Gramsci “diz respeito ao conjunto das instituições privadas de hegemonia, as quais difundem ou criticam a ideologia dominante: jornais, TVs, rádios, editoras, teatros, cinemas, escolas, igrejas, partidos, sindicatos. Boa parte da esquerda compreendeu que a luta pelo socialismo passa primordialmente por estes meios, e não por um simples assalto militar ao poder”.

Gramsci era visceralmente marxista, mas de forma dialética soube interpretar o melhor de Marx e avançar na produção teórica. O Estado em Gramsci para além de apoiar-se sobre a ditadura do proletariado deveria se apoiar na capacidade do proletariado de ser “hegemônico”, de impor o desenvolvimento revolucionário através do consenso e da aliança com as classes intermediárias, destaca o professor de literatura italiana da Universidade La Sapienza, Giulio Ferroni em entrevista à revista IHU On Line.

O Estado em Marx, lembra Lincoln Secco, era um mero comitê para gerenciar os negócios da burguesia, embora ele tenha deixado as bases teóricas da superação dessa concepção. Em Gramsci, diz Lincoln Secco, “há uma compreensão do Estado que emerge com a modernidade: ele não se reduz imediatamente a uma classe, pois guarda uma distância estrutural da camada dominante. O Estado é uma relação social mediada pela forma aparente dos aparelhos políticos de governo e repressão”.

A concepção do conceito gramsciano de ‘Estado ampliado’ remete para o fato de que a luta pela construção de uma sociedade socialista, torna-se bem mais complexa e difícil do que se imaginava em Marx-Lênin. Não basta ser classe dominante, mas tem que ser também classe hegemônica - dirigente. Desta forma a arena de luta entre as classes também se amplia. Trata-se de um tema atual nos debates da esquerda.

Outro tema relevante na obra de Gramsci é o debate sobre o sujeito político da transformação social. Esse debate é atualíssimo, como se pode observar por ocasião das discussões realizadas na Assembléia da Consulta Popular.

Para Gramsci, um homem do seu tempo - tributário da segunda revolução industrial - o sujeito político propulsor da transformação é o operário. Sobre este tema, acerca da contribuição de Gramsci, registra Werneck Vianna na entrevista à revista IHU On-Line: “Algumas coisas estão peremptas. Outras morrem com o século. Gramsci, por exemplo, imaginava, como toda a literatura marxista da época, a fábrica como principal agência produtora de valores. A nova ética viria do mundo fabril, da solidariedade, da cooperação, da produção do moderno. O mundo do trabalho continua a ter sua importância, sem dúvida, mas não tem a mesma importância que teve e que se imaginava que viria a ter. De modo que essa referência poderosa de Gramsci ao mundo fabril como o lugar por excelência de produção de uma nova eticidade é um mundo perempto, que perdeu a sua força originária”.

Sobre essa reflexão Marco Aurélio Nogueira comenta que hoje Gramsci enfrentaria um debate mais complexo. Segundo ele, a questão hoje é “saber o que fazer com os indivíduos, que se projetaram de modo inquestionável, nas últimas décadas, como sujeitos políticos, como protagonistas que não seguem passivamente ordens de quem quer que seja”.

Continua ele, “não são mais as classes que modelam os indivíduos, por mais que as classes continuem importantes como fatos estruturais. E os indivíduos, que hoje estão ‘soltos’ das classes e das instituições, não são todos necessariamente ‘individualistas’, predadores e egoístas. Podem ser socialmente solidários e democraticamente ativos, sobretudo porque são reflexivos, agem e reagem mediante plataformas ampliadas de informação e conhecimento”.

Marco Aurélio Nogueira, destaca ainda, ancorado na reflexão de Gramsci que “a esquerda precisa também resolver, de uma vez por todas, sua questão com a democracia. Não pode deixar dúvidas quanto a seu compromisso democrático, até mesmo porque a vida real se democratizou a tal ponto que serão dela expelidos todos os que se posicionarem de outro modo”. Segundo ele, “a esquerda tem diante de si uma sociedade complexa, muito fragmentada, mas também muito articulada, repleta de nichos sociais, grupos de interesse e famílias culturais. Temos de ser mais democráticos e mais dialógicos. Só assim, aliás, poderemos ser mais radicais e combativos no quadro atual”, diz ele.

O PT e a desconstrução da ‘hegemonia gramsciana’

A produção teórica de Gramsci - o Brasil foi um dos primeiros países que traduziu a sua obra - remete para uma reflexão acerca da experiência do PT no poder. Mais precisamente uma autocrítica. Na origem do PT os conceitos gramscianos estiveram presentes nos debates internos, destacam alguns dos entrevistados na revista do IHU e não seria incorreto afirmar que o PT se conduziu pela concepção de construção de “estado ampliado”, gramscianamente falando, ou seja, a idéia de que é preciso construir hegemonia na sociedade para ampliá-las através do aparelho do Estado.

O problema é que a chegada do PT ao Estado não significou rupturas com o status quo anterior. Pelo contrário, poder-se-ia afirmar que o PT no poder desconstruiu a hegemonia que anteriormente conquistou na sociedade. Lula no poder praticou uma “hegemonia às avessas”, diz o sociólogo Francisco de Oliveira, ou seja, a classe dominante aceitou ceder aos dominados o discurso político, desde que os fundamentos da dominação que exerce não sejam questionados. Lula e o PT não romperam com o modelo da inserção subordinada do país na economia internacional e com os ganhos fabulosos da elite financeira nacional - associada e a serviço do capital transnacional. Lula e o PT deram seqüência ao neoliberalismo à brasileira, atesta Ricardo Luiz Chagas Amorim.

Ou ainda nas palavras do crítico e ensaísta Roberto Schwarz, “a transgressão às normas, ou a facilidade com que a elite do país transita dentro e fora delas - sempre para seu maior ganho -, é uma marca distintiva da sociabilidade brasileira”.

Um importante conjunto de forças sociais construiu na sociedade brasileira a hegemonia, gramscianamente falando, de que era preciso interromper a escandalosa concentração de renda no país, avançar em reformas, distribuir renda, enfrentar o capital financeiro. Porém o que se vê são
lucros fabulosos dos bancos, Lula justificando o lucro recorde dos bancos e elogiando os usineiros.

A propósito dos lucros fantásticos do sistema financeiro, o economista Marcio Pochmann comenta que “trata-se de mais uma anomalia que, entre outras, tem sido responsável pelo aparecimento de algumas ilhas que vêm sendo reproduzidas a mais tempo no arquipélago do Brasil”.

A nova classe social

Ainda pior, uma das principais forças políticas no país, o movimento sindical que contribuiu decisivamente para construir uma nova hegemonia no país, o da necessidade do capital subordinar-se aos interesses do trabalho, dá mostras agora de rendição. Segundo o sociólogo Francisco de Oliveira, “mesmo depois de encerrar o mandato, em 2010, Lula e o PT perderão a ‘caneta’, ou o poder de governo, mas sua nova classe social se manterá, graças aos fundos de pensão e negócios estatais”.

O sociólogo refere-se ao outrora combativo movimento sindical cutista. E afirma destacando análise de Ricardo Antunes: “Essa nova camada do governo Lula está a serviço da elite, mas com uma nuance diferente: não sairá como os banqueiros de Fernando Henrique, mas como, por exemplo, conselheiros de estatais, de fundos de pensão, com salários de R$ 20 mil, R$ 30 mil. Carros blindados, roupas e hábitos caros”. Francisco de Oliveira conclui: "Lula e o PT sabem que o grande capital está feliz com seu governo e que não há mais no país sequer pressão social, com as centrais sindicais cheias de dinheiro e satisfeitas”.

Como diz Francisco de Oliveira com a entrada do Brasil no processo de globalização assistiu-se a emergência de uma nova classe social. De um lado, os tucanos que promoveram as privatizações e ganharam prestígio e poder nas empresas privatizadas e passaram a ocupar altos postos nessas empresas. Do outro lado, os ex-sindicalistas ligados a Lula que passaram a ter funções importantes nos fundos de pensão, que são grandes investidores nessas empresas. Um exemplo é a criação por parte da Petrobrás de uma nova petroquímica com a participação dos fundos de pensão.

Uma amostra da rendição do movimento sindical revela-se no ato da CUT em Brasília nessa semana. Trata-se de uma pauta conservadora e corporativista. Nenhum questionamento ao capital financeiro, à ausência das reformas estruturais, a privataria cometida no período recente. Note-se que estamos às vésperas do plebiscito nacional sobre a privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Esse tema passa longe do ato da CUT em Brasília.

Plebiscito da Vale

Parte do movimento social ainda procura resistir e fazer jus à hegemonia construída nos anos 1980 e 1990. É o que se vê com o esforço de construção do Plebiscito sobre a anulação do leilão de privatização da Vale do Rio Doce. Ao longo da última semana, o sítio do IHU, publicou três esclarecedoras entrevistas sobre esse tema. Entrevistou o economista Marcos Arruda; o sociólogo Ivo Lesbaupin e Dom Demétrio Valentini.

Marcos Arruda, lembra que “a Vale foi privatizada em 1997 por um valor de R$ 3,337 bilhões”. Segundo ele, “esse era o valor de mercado das ações. Não se considerou todo o patrimônio, pois tudo o que ela tinha sob controle (terras, minas, águas, florestas, ou seja, tudo o que é riqueza real e recurso comum público da nação) entrou no bolso dos atuais controladores”.

O economista destaca que “o valor de R$ 3,337 bilhões pode ser comparado com quanto o Brasil pagou nove anos depois, em 2006, pela dívida pública e amortizações. No ano passado, o governo pagou um total de R$ 295 bilhões, o que corresponde a R$ 22,8 bilhões por mês. Isso quer dizer que a cada mês do ano passado os banqueiros receberam um valor correspondente ao de sete Vales do Rio Doce. Isso é um contraste tão espantoso e, só então, pudemos nos dar conta da gravidade, do crime que foi privatizar essa empresa”.

Para o sociólogo Ivo Lesbaupin “a privatização da Vale foi uma fraude, um engodo. E o povo brasileiro tem de retomar o controle deste patrimônio que lhe pertence de direito e que lhe foi expropriado”.

Lesbaupin comenta que a organização do plebiscito incomoda o governo Lula. Segundo ele, “não custa lembrar que a Vale foi a empresa que mais contribuiu para a campanha do candidato Lula, em 2006. Embora, no segundo turno da campanha presidencial de 2006, Lula tenha combatido a privatização para se diferenciar de seu adversário, não é esta a prática do seu governo. Desde a primeira carta de intenções do Governo Lula ao FMI, em fevereiro de 2003, o governo se compromete a privatizar os quatro bancos estaduais que ainda eram públicos”, diz o sociólogo.

Ivo Lesbaupin destaca ainda que “o plebiscito é a oportunidade de o povo expressar sua vontade, de torná-la conhecida. É uma prática de democracia direta. Seria o caso de lembrar aqui que democracia é o regime da soberania popular: quem detém o poder é povo – ‘todo poder emana do povo...’ -, os eleitos são representantes da vontade popular. Mas não é isto que ocorre: então, o plebiscito é um meio para permitir que o ‘soberano’ expresse sua voz”.

Por sua vez, Dom Demétrio Valentini na entrevista ao IHU, comenta que “o que representa hoje a Petrobras para os combustíveis representaria a Vale para a exploração das riquezas naturais no nosso subsolo. Se a Vale do Rio Doce não tivesse sido privatizada, estas riquezas poderiam ser colocadas, de maneira estratégica, para a superação dos problemas que o País enfrenta, em especial o seu endividamento”, afirma Dom Demétrio.

FHC

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi tema de ampla reportagem da revista Piauí. A Notícias do Dia do IHU reproduziu algumas frases do ex-presidente. Vale a pena conferir. O julgamento fica por conta de cada um.



Sombra de 1929? Uma crise financeira mundial?

Um calafrio perpassa a 'espinha dorsal' do capital financeiro em todo o mundo. Sombra de 1929? Nas últimas semanas, o mercado mundial das finanças foi acometido de um terremoto. Tudo começou no mercado imobiliário americano. Depois de anos concedendo empréstimos imobiliários para pessoas com histórico de crédito capenga, os EUA estão em plena temporada de calotes. Essa onda de inadimplência assumiu efeitos em cadeia: primeiro, a crise do subprime atingiu as empresas imobiliárias; depois, bancos e fundos hedge (de alto risco), e espalhou-se para outros tipos de financiamento, até mesmo para pessoas com bom histórico de crédito. O pavor se instalou.

Segundo o editorial do Estadão, sempre atento aos movimentos do sistema financeiro, “o risco está longe de ser desprezível”. Na análise do jornal, “o estouro da bolha imobiliária assinala dificuldades financeiras para grande número de famílias americanas. Tendo perdido uma parte de sua riqueza, com a desvalorização dos imóveis, essas famílias tenderão a reduzir os gastos de consumo. Além disso, a indústria da construção tem um papel importante na movimentação de outros setores, pela demanda de aço, alumínio, vidro, plásticos, tecidos, cimento, material elétrico, móveis e assim por diante. O problema, portanto, não é apenas financeiro”.

O jornal destaca que menos mal que “há alguns anos o esfriamento da economia americana seria muito mais grave do que hoje”. Hoje, segundo o jornal, “a economia global não é movida só pelos Estados Unidos” e inclui as fortes economias da União Européia, do Japão, da China e da Índia e outras economias do Oriente.

Com medo de que a crise das hipotecas de alto risco dos Estados Unidos provocasse uma forte restrição do crédito em geral, os bancos centrais despejaram dinheiro no mercado. Algo como US$ 300 bilhões.

Porém, há um consenso de que ainda não se tem a exata dimensão do que pode ocorrer daqui para frente. “É como se estivéssemos numa casa sem luz, à noite, munidos apenas de uma lanterninha. Como a luz do dia ainda demora a chegar, o único jeito é caminhar lentamente, esquivando-se dos obstáculos que aparecerem pelo caminho”, compara o economista Roberto Padovani, economista do Banco WestLB.

“Essas coisas (crises) a gente nunca sabe o tamanho quando está começando. Hoje claramente não se pode dizer que seja semelhante à crise da Ásia, mas seguramente é uma coisa mais séria do que o solavanco de seis meses atrás na Bolsa de Xangai”, afirma o economista Gustavo Franco, que presidiu o Banco Central (BC) entre agosto de 1997 e janeiro de 1999.

Para Wolfgang Gerke, conselheiro da Bolsa de Frankfurt, “a crise atual encerra um grave perigo, porque pode se estender dos mercados financeiros para a economia real”.

Clóvis Rossi, que acompanha os acontecimentos internacionais comenta: “Fui testemunha ocular este ano de dois momentos em que os economistas do mundo rico, supostamente sofisticados, poderiam ter ao menos mencionado o risco: em Davos, em janeiro, no encontro anual do Fórum Econômico Mundial, e em Paris, em maio, na divulgação do Panorama Econômico 2007 da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, o clubão dos 30 países mais ricos do mundo). Em ambas as ocasiões, o panorama descrito era róseo, sem nuvens”.

A conseqüência da crise para o Brasil, segundo analistas, ainda é incerta. Para o ministro Guido Mantega, “o Brasil tem dólares sobrando”. Segundo o ministro, “se compararmos as reservas que temos hoje com as de maio do ano passado, que deviam ser em torno de US$ 50 bilhões, nós estamos US$ 100 bilhões mais resistentes a este tipo de crise”, argumentou. “Então, os mercados continuam olhando com segurança para o Brasil - por causa disso, disse o ministro -, o Brasil está no time dos países 'muito sólidos', habilitados a enfrentar turbulências no mercado”.

Posteriormente o ministro afirmou que a turbulência que afeta os mercados financeiros internacionais não deve afetar os bancos brasileiros porque o grosso do crédito que irriga a economia brasileira - 'quase 100%' - é gerado dentro do País. “Nós estamos muito tranqüilos. Essa turbulência não vai afetar o nível de atividade no Brasil”, disse o ministro, reafirmando sua expectativa de que a economia deve crescer entre 4,5% e 5% neste ano.

Mantega disse que o Brasil tem “bala na agulha” para enfrentar a crise e um sistema financeiro sólido. Segundo o ministro, não há bancos no Brasil envolvidos com o problema que surgiu com a crise do setor imobiliário nos Estados Unidos. “Os bancos brasileiros estão sólidos. Eles não estão com o crédito subprime, que é o crédito imobiliário norte-americano de segunda linha (origem da crise). Pelo contrário, os bancos brasileiros estão apresentando margem e lucros elevados e têm outras alternativas de aplicação”, afirmou.

O economista Luiz Fernando Figueiredo que foi diretor do Banco Central (BC) na gestão de Arminio Fraga, vai na mesma linha: “O Brasil nunca esteve tão forte. Tivemos fluxo de US$ 11 bilhões em julho. Me arrisco a dizer que o fluxo continuou positivo em agosto. O volume de estrangeiros que vêm aqui fazer operações de curto prazo hoje é zero. Os ativos, claro, acabam acompanhando o movimento global, mas a economia real, para sofrer, precisaria de uma redução muito grande na expansão mundial, de 5% para a casa de 3%. Nunca, na minha carreira de 27 anos, vi o Brasil tão robusto como hoje”.

Luiz Carlos Bresser-Pereira considera que a turbulência recente tem origem na ausência de regulação do mercado financeiro global, marcado por especulação crescente nos últimos 20 anos. Na opinião do ex-ministro, a turbulência atual é diferente das crises dos anos 90, como a asiática e a moratória russa. "Na década de 90, a crise foi em mercados emergentes que se endividaram externamente porque aceitaram a verdade que vinha do Norte de que tinham que crescer com endividamento externo", afirma o professor, que já foi ministro da Fazenda, da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia. Quanto ao efeito da crise sobre a trajetória da taxa de juros no Brasil, Bresser-Pereira é lacônico: "Tenho tanto horror a esse Banco Central que prefiro não falar sobre isso".

Depois dos dias de horror da semana passada, nessa semana os mercados internacionais abriram com uma dose de tranqüilidade quase assustadora. A sensação é que os mercados “deram um tempo” para se recuperar da forte ressaca gerada pela turbulência e buscavam novo fôlego, comenta a economista Sonia Racy.

Recordando as várias crises financeiras dos últimos vinte anos, comenta Eugenio Scalfari, jornalista italiano: “A atual crise pode ser confrontada com o terremoto financeiro de 1929. Fala-se pouco disso, nestes dias, desta crise, mas, ainda que levando em conta as grandes diferenças de contexto no que diz respeito ao que aconteceu há 80 anos, as analogias são impressionantes”. E ele aconselha aos leitores que “leiam o livro que desde que foi publicado se tornou um clássico: A grande queda de Kenneth Galbraith. É uma leitura medonhamente fascinante”.



Lula, “caixeiro-viajante” dos interesses dos empresários brasileiros na América Central

A problemática da energia é, com toda a certeza, um dos tendões de Aquiles da América Latina. Está no centro das preocupações dos países da região, a tal ponto que se tornou tema geoestratégico de primeira linha. As viagens realizadas na semana passada por Hugo Chávez – no périplo que incluiu a Argentina e o Uruguai – e pelo mandatário brasileiro em visita à América Central – cujo roteiro incluiu México, Honduras, Nicarágua, Panamá e Jamaica, tiveram na energia o tema mais importante.

Uma análise da visita de Lula ao México encontra-se na conjuntura da semana passada. Na visita a Honduras, houve claramente um desencontro de interesses. Enquanto Honduras aguardava uma participação mais efetiva da Petrobrás na exploração de petróleo daquele país, Lula só teve olhos e ouvidos para os biocombustíveis. Lula defendeu a tese de que os combustíveis renováveis são “inexoráveis” e oferecem uma das melhores oportunidades para gerar desenvolvimento econômico na América Central e no Caribe. A bem da verdade, o interesse de Lula estava focado no potencial da América Central de reexportar o etanol brasileiro para os Estados Unidos e de desenvolver álcool e biodiesel nesses países. Lula fez questão de mostrar a presença de cerca de 15 empresários do setor sucroalcooleiro em sua comitiva.

Semelhante situação se deu na Nicarágua. Lula encontrou Manágua sob os efeitos de um grave apagão de energia. O governo de Daniel Ortega pediu ajuda para a construção de uma usina hidrelétrica no país, para a qual se habilitaram construtoras como a Andrade Gutierrez e a Norberto Odebrecht. Lula prometeu a ajuda, mas teve que se confrontar com a resistência de Ortega em relação ao etanol, sobretudo aquele extraído do milho, que considerou um “crime”. Outras fontes dão conta de que a Andrade Gutierrez está avaliando a participação na construção da hidrelétrica, mas o fato de ser um investimento relativamente pequeno - US$ 141 milhões – pode desestimular a participação da empresa brasileira.

Na sua visita ao país, Lula assinou um memorando de entendimento para que o Brasil perdoe a dívida de 5,9 bilhões de dólares. Os recursos seriam aplicados em projetos sociais e de desenvolvimento.

Na visita a Honduras e Panamá os ventos foram mais favoráveis para os interesses empresariais brasileiros. Em Honduras, Lula participou da inauguração de uma usina da Jamaica Broilers, a JB Ethanol, financiada por instituições européias e montada com tecnologia brasileira. A usina inaugurada é a terceira que o país tem. O país aprovou lei que obriga a misturar 10% de álcool na gasolina a partir do próximo ano. Com um investimento de US$ 200 milhões, o projeto será movido pela importação de 200 milhões de litros anuais de álcool hidratado do Brasil. Depois de transformado em anidro, o álcool será embarcado, livre de tarifas, para os Estados Unidos, onde será adicionado à gasolina. “Parecia impossível que a gente pudesse exportar álcool para os Estados Unidos”, disse um Lula visivelmente deslumbrado com a realização de um sonho seu, obstinadamente perseguido em seu governo.

Em discurso naquele país, Lula afirmou que sob sua administração, os empresários do álcool se tornaram “personalidades internacionais”, ressaltando a política dos biocombustíveis em seu governo.

No Panamá, Lula discutiu o interesse de dois consórcios, com participação de grandes empreiteiras brasileiras, na construção de duas eclusas no Canal do Panamá. Um dos consórcios, liderado pela francesa Bouygues, conta com a participação de três tradicionais empreiteiras brasileiras - Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Camargo Corrêa. O outro consórcio, com participação brasileira, é liderado pela Norberto Odebrecht, associada com outros fabricantes internacionais.

Outra reportagem acentua o aspecto de “caixeiro-viajante” de Lula naquele país ao exercer a função de lobista junto ao seu colega panamenho dos interesses das grandes construtoras brasileiras na ampliação do Canal do Panamá, cujas obras estão orçadas em US$ 3,4 bilhões. Aliás, pelo que se viu ao longo de toda a sua visita, o papel de “caixeiro-viajante” lhe caiu bem em todos os países que visitou. Mais do que os interesses do Brasil, Lula defendeu os interesses ligados aos empresários dos biocombustíveis e das grandes construtoras.

Chávez consegue cumprir o que promete?

Chávez, por sua vez, em sua visita ao Uruguai tranqüilizou o presidente Tabaré Vázquez e seu país, que também se encontra mergulhado numa crise energética, assim como a Argentina, garantindo que a Venezuela irá suprir suas demandas energéticas nos próximos cem anos. O Tratado de Segurança Energética, assinado entre os dois países, prevê que a Venezuela fornecerá petróleo e gás ao Uruguai e a participação da refinaria uruguaia Ancap na exploração de uma parte das reservas da Faixa do Orinoco. Nessa tarefa, terá a parceria da estatal venezuelana de petróleo PDVSA e da Enarsa, estatal Argentina.Por ocasião da visita, o presidente uruguaio reafirmou o desejo de ver a Venezuela como sócio pleno do Mercosul. Chávez, por sua vez, estabeleceu o final deste ano como teto para a entrada no Mercosul e afirmou que “não é o fim do mundo” não entrar no Mercosul. Cada novo membro deve ser aprovado pelos Parlamentos dos países membros. Os parlamentos da Argentina e do Uruguai já ratificaram a adesão da Venezuela ao bloco, decisão ainda não seguida pelos Parlamentos do Brasil e do Paraguai, que ainda não manifestaram sua decisão. Essa demora já foi motivo de tensões entre Chávez e o Senado brasileiro, que entendeu a pressão daquele como uma intromissão em assuntos de exclusiva competência e autonomia brasileiras.

Na seqüência, Chávez desembarcou no Equador, onde ele e Rafael Correa assinaram um acordo para a construção de uma refinaria avaliada em US$ 5 bilhões e capacidade de processar 300 mil barris/dia. Também criaram um grupo técnico bilateral.

Além do Uruguai, Chávez já ofereceu gás e petróleo à Argentina. Recentemente sofreu um revés político com o “esfriamento” da construção do Gasoduto do Sul, que interligaria oito países no fornecimento de gás venezuelano.

No entanto, há quem questione a capacidade dos projetos venezuelanos. Especialistas interpõem aos planos de Chávez obstáculos relativamente grandes aos seus sonhos de prover a América Latina de gás e petróleo. Os problemas são basicamente de duas ordens: um diz respeito às reais dimensões das reservas venezuelanas, e o outro, à capacidade tecnológica da Venezuela. Ou seja, diante dos fatos, Chávez estaria prometendo o impossível. Há que se considerar que a aposta do mandatário venezuelano se dá nas energias fósseis, consideradas não limpas, não renováveis, considerando-se especialmente o petróleo. Além disso, estudos indicam que as reservas de petróleo no mundo já estão começando a fechar a boca do sino, isto é, as reservas conhecidas e comprovadas estão diminuindo consideravelmente. Estudos dão conta de que por volta de 2030, as reservas já estariam gravemente comprometidas.

Neste sentido, comparativamente, o Brasil estaria em melhores condições haja vista que Lula não alimentou muitas esperanças na sua viagem pela América Central, em relação ao petróleo e aposta numa energia menos poluente. Ou seja, estaria dando um passo à frente. Mas isso não elimina as críticas ao modelo energético que está sendo adotado pelo Brasil, que apresenta um leque de alternativas energéticas disponíveis (energia solar, eólica...) extremamente rico e diversificado, dadas as riquezas naturais disponíveis no país.

Chávez compra mais bônus da dívida externa Argentina. Oposição critica juros altos

Chávez começou sua viagem pela Argentina, conforme já analisamos na semana passada. A viagem, no entanto, está rendendo para além da presença de Chávez em território argentino. Entre os diversos acordos realizados, Chávez fez a compra de mais uma parcela de bônus da dívida externa argentina (US$ 500 milhões), e a intenção de elevar esta soma para US$ 1 milhão, o que totalizaria US$ 5,1 bilhões o montante de bônus em posse do governo venezuelano.

Uma das polêmicas diz respeito aos juros que os argentinos pagam – 10,6% -, considerados altos, acima da média praticada. Diante das críticas de lideranças da oposição e colunistas econômicos argentinos, Chávez se defende: “A Venezuela não impõe os juros. A imprensa que afirma isso é lacaia do imperialismo”, alegando não ser ele quem impôs a taxa.

O “escândalo da mala”, uma ducha de água fria nas relações entre Kirchner e Chávez

As boas relações políticas e econômicas construídas ao longo dos últimos três anos, parecem ter se esfriado nos últimos dias. O pivô do – momentâneo – azedume é uma mala contendo 790 mil dólares. O dinheiro estava em posse do empresário venezuelano Guido Alejandro Antonini Wilson, que desembarcou em território argentino no dia 04 de agosto sem declarar o dinheiro. O jatinho foi contratado pela empresa estatal de energia Enarsa, da Argentina, e fretado por nove passageiros ligados aos governos argentino e venezuelano.

Guido Antonini é um empresário que fez fortuna no ramo petroleiro. Vive em um condomínio em Key Biscaine, na Flórida, EUA, tem dois Porsches e um Hummer. Aliados de Chávez dizem que um dos motivos de sua prosperidade é sua proximidade com Abad Wladimir, seu sócio na empresa Foxdelta. Wladimir é secretário da filial americana da Proarepa, que ganhou contratos para vender alimentos subsidiados no governo Chávez.

No avião estava Claudio Umberti, diretor do Órgão de Fiscalização de Estradas e homem de confiança do poderoso ministro do Planejamento e Obras Públicas, Julio De Vido. Horas depois de o fato vir a público, Umberti teve de renunciar, presume-se por pressão de Cristina Kirchner, candidata à presidência. O escândalo da mala atinge Julio De Vido, cuja cabeça a oposição quer. Ele é suspeito de envolvimento no caso Skanska (escândalo de suborno e superfaturamento na construção de grandes gasodutos na Argentina).

Enquanto isso, especula-se sobre o destino do dinheiro. Segundo algumas versões, os dólares iriam para os chavistas argentinos (vários deles serão candidatos a deputado em outubro). Outras indicam que eles se destinavam à campanha eleitoral de Cristina ou às negociatas da PDVSA com argentinos.

O escândalo eclode em meio à campanha eleitoral na Argentina. Por este motivo, Kirchner quer se desvencilhar de qualquer maneira de responsabilidades no caso e faz de tudo para culpar os venezuelanos. Neste sentido, Néstor Kirchner, pediu ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, a cabeça de Diego Uzcateguy Matheus, vice-presidente da estatal petrolífera venezuelana PDVSA e presidente da empresa na Argentina que esteve no avião. Uzcateguy seria o responsável pela presença de Guido Antonini no avião. Seria uma maneira de socorrer Kirchner, mas ter de carregar com o ônus. Por isso, o governo venezuelano contra-atacou dizendo que se trata de responsabilidade individual e não institucional e que precisam ser investigadas. E a Venezuela nega as desculpas solicitadas pela Argentina.

Kirchner tem todo o interesse em expulsar de casa este bode fedorento. Por um lado, agiu rápido na demissão de Umberti e proclamou em alto o bom tom estar fazendo uma administração transparente.

Este é, contudo, o segundo escândalo que eclode, sempre em momentos importantes, da campanha de sua esposa, a senadora Cristina Kirchner. No início de julho, o lançamento de sua candidatura foi precedido pelo indiciamento da ministra da Economia Felisa Miceli, envolvida no “banheirogate” (descoberta de uma bolsa com US$ 241 mil no banheiro do ministério). Agora, às vésperas do lançamento oficial da chapa de Cristina, marcado para este 14 de agosto, eclode o caso da maleta.

As eleições presidenciais argentinas estão marcadas para outubro. A primeira-dama é a favorita nas pesquisas, com cerca de 50% dos votos, seguida de longe pelo segundo colocado, o economista e ex-ministro da Economia Roberto Lavagna. O vice de Cristina é o governador de Mendoza, Julio Cobos.

Bento XVI e a interpretação do Concílio Vaticano II

No dia 24 de julho, em plenas férias, Bento XVI teve um encontro com o clero de duas dioceses italianas. Entre as perguntas feitas ao papa há uma que diz respeito ao Concílio Vaticano II. Bento XVI aproveita a ocasião para falar das duas rupturas que o Vaticano II sofreu. A primeira se deu em 1968, chamada de “grande crise cultural do ocidente”. Ela seria decorrência do fracasso do projeto de modernidade que explode com “a crise da cultura ocidental”.

Desta crise, nasce o desejo da construção de grandes relatos, dentro os quais está o marxismo, citado pelo papa. Mas a segunda cesura se dá em 1989, com o desmoronamento dos regimes comunistas, que coincide com a crise dos grandes relatos. A queda abre caminho não para um “retorno à fé”, como esperava ele, mas para o niilismo, o “ceticismo total, a assim dita pós-modernidade”.

Neste novo contexto, chama a redescobrir a grande herança do Concílio que se encontra acima de tudo na humildade que se adquire diante do “Crucificado ressurgido, que tem e conserva as suas feridas”.

Para Ratzinger, que participou do Concílio como perito e assessor do cardeal Joseph Frings, arcebispo de Colônia, na Alemanha, o Vaticano tivera entre as suas preocupações a relação entre a Igreja e o Estado moderno. As experiências políticas que se dão na Europa na segunda metade do século XX, especialmente as da social-democracia, acenam na direção desejada por Ratzinger, isto é, apontam para a possibilidade da relação com o Estado moderno, uma relação de aliança e de diálogo, não de confronto e negação. Ratzinger explicita isso em outra ocasião, como mostra o artigo do historiador norte-americano Joseph A. Komonchak. Diz Ratzinger: “estadistas católicos mostraram que pode existir um Estado moderno laico que, no entanto, não é neutro com respeito aos valores, mas vive retornando às grandes fontes éticas abertas pela cristandade”. Seria essa uma referência a Konrad Adenauer?, pergunta Komonchak. Em todo o caso, estas ainda são experiências cristãs. Bento XVI destacará isso na conversa com o clero italiano: “Acabara a geração do pós-guerra, uma geração que, após todas as destruições e vendo o horror da guerra, do cruel combater-se, e constatando o drama daquelas grandes ideologias que haviam realmente conduzido as pessoas para a voragem da guerra, haviam redescoberto as raízes cristãs da Europa e haviam começado a reconstruir a Europa com estas grandes inspirações”.

No entanto, se a primeira cesura não rompe com o cristianismo, a segunda o fará. Passa a imperar o niilismo, nessa que passaria a ser uma sociedade sem ética.

Diante deste contexto, há alguns caminhos que podem ser tomados, caminhos que implicam em hermenêuticas diferenciadas. Para Bento XVI, há ou a hermenêutica da continuidade dos “grandes textos conciliares” ou a hermenêutica da descontinuidade. Na prática, para Bento XVI, a hermenêutica da continuidade se afirma melhor na volta para trás, ou seja, no reforço da hierarquia, na centralidade do papado e no Vaticano, na centralidade da Igreja no mundo, no retorno da missa em latim...

Mas seria essa a única hermenêutica possível?, pergunta-se Komanchak. E vai dizer que sim, mas que Bento XVI teve pouco a dizer justamente sobre a “hermenêutica da descontinuidade”, isto é, da continuidade na descontinuidade. A partir desta perspectiva, o historiador norte-americano retoma outro filão hermenêutico destacado na chamada Escola de Bologna que tem no historiador Giuseppe Alberigo, recentemente morto, sua figura mais ilustre. No Brasil, o historiador José Beozzo é o representante mais destacado. Bento XVI, diz Komanchak “simplesmente admoesta contra a idéia de que há ‘rupturas’ na história da Igreja, como se fosse possível dar à Igreja uma nova constituição, e contra a tentativa de identificar um ‘espírito do Concílio’ à parte dos textos conciliares”.

Mas, acredita ele, “uma hermenêutica da descontinuidade não precisa ver ruptura por toda parte, e uma hermenêutica da reforma, por sua vez, admite algumas descontinuidades importantes”.

A crítica de Komanchak refere-se à dureza na disjunção “entre orientações hermenêuticas rivais” que se tornam muito menos “duras no decurso de sua argumentação”. As hermenêuticas contrapostas poderiam representar aquilo que os sociólogos chamam de “tipos-ideais”. “a ‘reforma’ que Bento vê como o coração da realização do Concílio é ela própria um tema de ‘novidade e continuidade’ de ‘fidelidade e dinamismo’, pois, de fato ela envolve importantes elementos de ‘descontinuidade’”, conclui.

Em termos gramscianos, esta hermenêutica implica antes a busca de consensos, o diálogo, a colegialidade..., o que não se está vendo.

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