sábado, 11 de agosto de 2007

Ribeirão Preto. Os novos ricos do etanol

Um prédio com 26 apartamentos de 450 metros quadrados - um por andar -, e cada um custará 1,4 milhão de reais. Uma reluzente concessionária da marca de motos e automóveis BMW, ao custo de 3,5 milhões de reais. A abertura da primeira filial da Enoteca Fasano, importadora de vinhos da família Fasano, que até então só tinha lojas em São Paulo e no Rio de Janeiro. "Vamos para onde está o dinheiro", diz o diretor-geral da enoteca, Eduardo Freschet. Tudo isso acontece em Ribeirão Preto resultante dos ganhos dos ricos com o etanol. A reportagem é da revista quinzenal de negócios Exame, nas bancas de todo o país.

Se o Brasil fosse uma república do etanol, Ribeirão Preto seria sua capital. Apesar da grande expansão da cana-de-açúcar por novas fronteiras agrícolas, como Mato Grosso do Sul e Goiás, a região de Ribeirão Preto ainda é o principal pólo sucroalcooleiro do país, com cerca de 7% da produção nacional de cana-de-açúcar e 44 usinas instaladas. Cinco das dez maiores produtoras de álcool do país estão na região - as usinas São Martinho, Santa Elisa, da Pedra, Vale do Rosário e Colorado.

Dos 3,5 bilhões de reais destinados ao setor sucroalcooleiro pelo BNDES em 2007, Ribeirão ficou com 860 milhões, o equivalente a um quarto do total. Desde o início da retomada do setor, o produto interno bruto per capita do município - que tem 600 000 habitantes - aumentou 25% em comparação a 2000 e passou de 7 666 reais para 10 229 reais (valor relativo a 2004). No mesmo período, a remuneração média no setor agrícola aumentou 51%, ante 33% no resto do estado. Nas usinas, há hoje cargos, entre eles técnicos, com salários de até 40 000 reais.

Conviver com a riqueza não é novidade para a população de Ribeirão Preto. No início do século passado, as fazendas da região geravam 19% da receita do estado de São Paulo, então o maior produtor de café do mundo. O crack da bolsa de Nova York, em 1929, reduziu essa opulência a pó e inaugurou um novo ciclo, baseado na produção de grãos, laranja e cana-de-açúcar, que continuaram a manter os produtores de Ribeirão entre os mais bem-sucedidos do país.

O Proálcool, nas décadas de 70 e 80, acarretou uma nova onda de prosperidade, que se esgotou em pouco mais de uma década, com o malogro do carro a álcool. O recente entusiasmo em torno do etanol remete, de certa forma, a essa última onda. "No princípio, muita gente pensou que fosse uma bolha", diz Cícero Junqueira Franco, um dos principais acionistas da Usina Vale do Rosário, que em fevereiro fundiu-se com a Santa Elisa. "Mas, na verdade, é um movimento muito mais sólido, que tem atraído instituições como o banco Goldman Sachs, que acaba de investir 400 milhões de reais em nossa empresa."

Na nova onda do etanol, as usinas de Ribeirão ressurgiram como potências. São colossos que têm protagonizado algumas das negociações mais eletrizantes do setor. Nos últimos sete meses, três operações envolvendo abertura de capital, fusões e aquisições - os IPOs das usinas São Martinho e Guarani (pertencente ao grupo francês Tereos) mais a fusão das usinas Santa Elisa com a Vale do Rosário - movimentaram quase 2,5 bilhões de reais, o equivalente à metade do produto interno bruto anual da cidade de Ribeirão Preto.

Apenas a fusão da Santa Elisa com a Vale do Rosário - dando origem à gigantesca Santelisa Vale, a segunda maior empresa do setor, atrás da Cosan -envolveu recursos da ordem de 1,3 bilhão de reais, destinados à compra das ações que estavam em poder de 109 acionistas minoritários. "Foi uma operação completamente sui generis, pois pela primeira vez o dinheiro saiu da esfera das empresas e foi parar diretamente nas mãos das pessoas", diz Maurílio Biagi Filho, dono do grupo Maubisa Agrícola. "Quase todos eram fazendeiros ou seus herdeiros, que acabaram investindo em terras ou outros negócios, boa parte deles fora da região. Mas alguns fizeram umas besteirinhas por aí."

A diretora financeira da revenda Mercedes-Benz de Ribeirão Preto, Lígia de Stefani Nogueira, lembra-se de uma dessas "besteirinhas" a que Biagi se refere. Segundo ela, poucos dias depois de o negócio ser fechado, um fazendeiro que havia vendido suas ações da Vale do Rosário apareceu em uma das lojas do grupo, a Ribeirão Diesel, para comprar um novo caminhão para transporte de cana. Escolhido o modelo do caminhão, o cliente não se conteve e passou pela loja contígua, a Stecar, onde a família de Lígia vende os carros de luxo da marca alemã. Decidiu comprar um, que saiu por cerca de 200 000 reais.

Acabou fechando o pacote com um modelo Volkswagen, mais barato e discreto, adquirido em outra concessionária dos Stefani, a Itapoã. "Estamos passando por um momento de extrema liquidez, em que nossas vendas aumentaram até 40% em comparação ao ano passado", diz Lígia. Em maio, foram vendidos 21 modelos importados, ante a média mensal de oito unidades em 2006.

O mesmo fenômeno pode ser percebido no mercado de imóveis de alto padrão. A construtora Habiarte Barc, que se prepara para construir o condomínio citado no início desta reportagem, faturou, apenas nos seis primeiros meses do ano, 35 milhões de reais, 50% mais do que o total registrado em todo o ano passado. "Já fomos até procurados por empresas como Odebrecht e Cyrela para parcerias na região", diz Paulo Tadeu Rivalta de Barros, sócio da construtora. Entusiasmado com os dois booms que têm impulsionado seu negócio -- o do etanol e o do mercado imobiliário --, ele já preparou um projeto ambiciosíssimo previsto para sair do papel em dois anos. Barros planeja construir um condomínio com 400 casas e 25 torres de apartamentos. Valor da empreitada: 1 bilhão de reais.

O atual ciclo da cana no interior paulista é bastante diferente do que aquele que movimentou a região há 20 anos. Enquanto no passado a maior parte da riqueza acabou concentrada nas mãos de um restrito grupo de proprietários de terras e usineiros, a expansão atual tem promovido uma dispersão bem maior de recursos. As usinas da região -- de controle familiar e extremamente conservadoras -- passam por um brutal processo de modernização tanto na área de produção como na gestão do negócio. Isso levou a uma surpreendente valorização dos profissionais que ocupam cargos executivos nas usinas. Os antigos gerentes de fábrica e de agricultura começam a ganhar status de diretores, com remuneração compatível com as das grandes empresas do país. Ao mesmo tempo, as gigantes do álcool passaram a recrutar no mercado profissionais para áreas que até então tinham pouco destaque, como logística e finanças.

Dois motivos estão por trás dessa mudança. O primeiro é a onda de abertura de capital que tem levado companhias tradicionalmente fechadas a buscar no mercado profissionais capazes de fazer a ponte entre os controladores e os investidores -- sejam eles brasileiros ou estrangeiros. O segundo é a acirrada concorrência no setor, que tem aumentado a necessidade das empresas por profissionais altamente qualificados -- e estimulado a cooptação de talentos nos quadros das rivais. "Os profissionais do setor sucroalcooleiro são extremamente requisitados, e as empresas que querem mantê-los são obrigadas a aumentar os salários", diz o headhunter Dárcio Crespi, sócio da consultoria americana Heidrick & Struggles. Usinas como São Martinho, Santa Elisa e Vale do Rosário estão promovendo seus profissionais e aumentando seus salários para não perdê-los. Tornou-se emblemática em Ribeirão Preto a recente contratação de um profissional que trabalhava em uma grande usina na região por uma multinacional francesa do setor sucroalcooleiro. O executivo deixou o velho emprego em troca de um cargo de diretoria e um salário de 65 000 reais mensais, além de bonificações e demais benefícios.

A retomada do etanol também tem beneficiado um grupo de empreendedores que não existia nos tempos do Proálcool. São produtores de equipamentos e prestadores de serviços para usinas de açúcar e álcool que abriram os próprios negócios a partir do fim da década de 90. Apenas em Sertãozinho, cidade de 100 000 habitantes vizinha de Ribeirão, existem 550 empresas ligadas ao setor. "Devemos quase duplicar de tamanho neste ano e passar de um faturamento de 50 milhões no ano passado para 90 milhões em 2007", diz o engenheiro Vagner Stefanoni, sócio da Planusi, que fabrica componentes para usinas. Atualmente, a Planusi fornece produtos para três usinas em construção no extremo norte de São Paulo. A companhia, fundada há dez anos, acaba de fechar um acordo de transferência de tecnologia com um grupo sul-africano que lhe permitirá produzir equipamentos mais sofisticados e concorrer com as duas maiores empresas do setor, a Dedini, de Piracicaba, e a Sermatec, parte do grupo Santa Elisa. O objetivo é tirar o máximo proveito possível da riqueza gerada na capital brasileira do álcool.

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